Ainda sobre a morte de Eusébio
A morte de Eusébio e a derradeira homenagem que lhe foi prestada pelos portugueses merece que se teça algumas considerações.
Creio que o padre Vítor Melícias, na homilia proferida durante a missa de corpo presente, traduziu, melhor que ninguém, em palavras simples e eficazes, como o exemplo de Eusébio nos podia unir todos num justo tributo. No elogio fúnebre que dirigiu ao futebolista e ao homem, colocou-o de forma lapidar no lugar de exceção que mereceu. Depois de se referir a etimologia grega do nome Eusébio - «aquele que respeita os Deuses e os teme» -, o padre Melícias salientou que Eusébio se «consagrou como um ser superior», relativamente a quem «a morte não é o fim das coisas». «Perante a morte, a vida não se acaba, transforma-se». «Em consideração de uma grande vida, vivamos a celebração da vida, acrescentou.
Num tempo em que o País está numa crise de valores, em que faltam referências, Eusébio surge como “herói de um povo”. A homenagem que lhe prestaram nas cerimónias fúnebres foi celebrada com enorme dor e emoção por todos os portugueses. Cores clubistas, rivalidades antigas ou velhos ódios foram esquecidos, sobressaindo apenas as emoções, absolutamente unânimes, que brotaram da alma coletiva, curvadas perante um grande símbolo nacional que desaparecia.
Um elogio merecido ao presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Filipe Vieira, ao garantir a manutenção do apoio prestado à mulher do jogador falecido. De resto, penso que Vieira esteve bem. Dirigiu, o melhor que pôde, toda a complexa operação logística das cerimónias fúnebres e foi comedido quando resistiu à impertinência de jornalistas que lhe pediam opinião quanto à futura deposição dos restos mortais de Eusébio no Panteão, respondendo, muito sensatamente, que tal decisão competia ao povo e aos políticos (após o precedente de há anos criado com Amália, não resta outra alternativa. Não obstante achar que Eusébio merecia outro espaço, provavelmente não tão solene, mas mais próximo e acessível aos seus inúmeros admiradores).
Infelizes foram as declarações proferidas pelo antigo Presidente da República, a quem idade não deve desculpar tudo. Mário Soares referiu-se a Eusébio nos seguintes termos: «era um homem bom, era um homem agradável e com pouca cultura mas evidentemente não estava à espera que ele fosse um pensador. Estava à espera que ele fosse um grande futebolista e, isso, ele foi. (…) Por isso não sabia nada que ele estava doente. E sabia que ele bebia muito whisky, todos os dias, de manhã e à tarde. Isso, eu sabia mas julguei que isso não lhe fizesse assim mal. Foi para mim uma surpresa». Embora estas declarações sejam bastante infelizes e lamentáveis, acresce que foram posteriormente descontextualizadas e amplificadas nas redes sociais e pelos media.
Mas pior, bem pior, pela sua (ir)responsabilidade pública, foi o comportamento da Presidente da Assembleia da República, quando justificou a putativa transladação dos restos mortais de Eusébio para o Panteão Nacional com os elevados custos financeiros envolvidos em tal operação. Quando questionada sobre o tema, invocou a partilha de custos nestes tempos de crise, uma espécie de «mecenato» e anunciou ao país que tal processo de transladação custaria centenas de milhares de euros. Mais tarde, num esclarecimento adicional e escrito, Assunção Esteves esclareceu que afinal esses custos astronómicos andariam afinal pelos 50 mil euros. Eusébio merece isso e muito mais, só não merece é que a sua imagem seja apropriada e manipulada com fins demagógicos ou com a finalidade de proporcionar espetáculos mediáticos.