Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba.
Vergílio Ferreira
«Para termos uma noção do pouco que valemos, basta subtrair ao que somos o que aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros. É só ver o que fica. Coisa pouca. Sozinho quase ninguém é quase nada. É somente juntos que podemos ser alguma coisa».
A poucos dias do arranque da campanha para as eleições autárquicas, ainda há candidatos que aguardam uma decisão judicial para saberem se podem ou não concorrer. Isto porque a lei de limitação de mandatos autárquicos determina que um presidente de Câmara que cumpra três mandatos não possa candidatar-se a um quarto mandato. Todavia, alguns partidos, nomeadamente o PSD, fizeram uma interpretação abusiva da lei e decidiram apresentar candidatos a um quarto mandato. O poder político teve tempo, tinha maioria e todas as condições para limitar os "danos", ou seja, fazer aprovar nova legislação que viesse aclarar e melhor interpretar a anterior. Não o fez, preferindo que a polémica fosse transferida para a esfera da apreciação jurisdicional. A decisão do Tribunal Constitucional sobre a lei limitação dos mandatos autárquicos - quer seja favorável ou desfavorável à limitação - acarretará problemas éticos, de legitimidade e, provavelmente, de legalidade a determinadas candidaturas. Mas isso, para alguns, pouco importará.
Entretanto os cartazes da campanha autárquica já pululam um pouco por todo o lado. Impedidos que estão, pela escassez de recursos financeiros, de prometer rotundas, piscinas públicas, centros culturais e outros quejandos, os candidatos refugiam-se na vacuidade das ideias e nas mensagens de cariz populistas, slogans caricatos, hinos adaptados, sem a menor preocupação de respeitar os direitos de autor. Um autentico provincianismo bacoco. Para estas despesas, mesmo em tempos de vacas magras, haverá sempre verbas e não falta mesmo quem queira financiar estas campanhas, apostando no candidato A ou B. Porque em caso de vitória o retorno estará sempre garantido.
Nestes trinta e muitos anos de poder local os autarcas apostaram muito numa “política de betão” com o aval do poder central. Sem competências efetivas e substantivas, as suas iniciativas consistiram basicamente na construção de infraestruturas e de equipamentos em prol das populações. O sucesso desta aposta foi inequívoco: o saneamento básico, os arruamentos e a eletrificação das vias públicas avançaram a um ritmo incrível.
Com a crise económica, os financiamentos das autarquias diminuíram consideravelmente e, em consequência, a lógica do betão acabaria por ser canalizada para a obtenção de fundos próprios. As licenças de construção tornaram-se um maná para as finanças municipais e um foco permanente de conflitos de interesses e de corrupção. Os costumes políticos degradaram-se e o clientelismo e a burocracia tomaram conta dos aparelhos administrativos, políticos e autárquicos. Hoje, o país encontra-se repleto de câmaras municipais endividadas que reproduzem os problemas económico-financeiros do Estado e da Administração Central.
O país precisava de um poder autárquico forte e credível, sobretudo em períodos de disrupção social como os que vivemos. Em momentos de crise, as autarquias têm uma missão essencial a desempenhar: socorrer os mais necessitados e zelar pelos equilíbrios sociais. Mas para isso era também necessário que os autarcas fossem escolhidos criteriosamente, que tivessem visão estratégica e, sobretudo, que não estivessem subordinados a clientelas partidárias.
«A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada. Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.
Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:
1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?
Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências?
Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?
Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis?
Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?
2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...
3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.
4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.
5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.
Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...
Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?
Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.
Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.
Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:
1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.
2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).
3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores
4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.
5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.
6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.
Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo».
As eleições autárquicas marcadas para o próximo dia 29 de Setembro são o mote para os candidatos locais fazerem passar as suas mensagens através das redes sociais. Os momentos mais caricatos inspiraram uma página do Facebook intitulada «Tesourinhos das Autárquicas 2013». Eis um desses momentos. O candidato do PSD à Câmara de Ribeira Brava pensava que o orçamento ia ser bem maior, mas afinal só deu para 1/6 do cartaz!
Ontem, no encerramento da Universidade de verão do PSD, em Castelo de Vide, o primeiro-ministro disparou duras críticas ao Tribunal Constitucional devido ao chumbo da lei de requalificação da função pública (recorde-se que o diploma já havia suscitado dúvidas a Cavaco Silva que o enviou ao Tribunal Constitucional). O líder social-democrata acusou os juízes de falta de «bom senso» e ameaçou que o preço a pagar por esta medida será elevado. Passos Coelho garantiu que já pensou numa alternativa, mas que «não será tão boa». «Essas soluções têm sempre um preço mais elevado», informou o chefe do governo no seu discurso, deixando clara a inevitabilidade de emagrecer a função pública, cuja folha salarial, segundo o próprio, «pesa mais de 75 por cento na despesa do Estado.
O primeiro-ministro considerou ainda que o obstáculo às reformas do Estado não é a Constituição em si, mas a interpretação que o Tribunal Constitucional faz da Lei Fundamental. Diz que o princípio da “confiança” não pode ser levado tão “à letra” e pergunta de que tem valido a Constituição aos mais de 900 mil desempregados. O que Passos Coelho parece não entender é o papel do Tribunal Constitucional num Estado de Direito democrático, que é justamente garantir e verificar as normas aprovadas e emanadas pela Assembleia da República. Claro que o Tribunal Constitucional faz uma interpretação da Constituição, aliás é essa a sua função. Tendo em conta que essa interpretação foi unânime, mandaria talvez o bom senso acatá-la. O Executivo, em vez de desferir ataques a órgãos de soberania, compete-lhe arranjar soluções governativas que estejam de acordo com a lei, sob pena de serem vetadas pelos juízes do Palácio Ratton. Poder-se-á até discutir se a atual Constituição está desajustada da realidade atual e se deverá ou não ser objeto de revisão, caso o PS esteja pelos ajustes. Mas até lá Passos Coelho vai ter que respeitar e cumprir a Constituição, porque foi esse o compromisso que assumiu quando lhe foi dada posse pelo Presidente da Republica.
Em dois anos de governação, o executivo de Passos Coelho viu serem chumbadas, por cinco vezes, políticas e medidas legislativas, o que demonstra uma clara dificuldade deste governo em adequar a sua ação às leis fundamentais que regem o Estado de Direito e Democrático. Aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional, que chumbou, por unanimidade, o diploma legal que previa a requalificação dos funcionários da função pública é claro na análise que faz, criticando, implicitamente, o Governo ao salientar que não é boa a politica a de um Estado de Direito Democrático que governe em violação das leis e dos direitos e interesses dos cidadãos. Assim como não é bom para um governo exibir no seu currículo cinco chumbos constitucionais. Como afirmou o constitucionalista Vital Moreira, ou é incompetência governativa ou o executivo de Passos Coelho faz de propósito para encontra um "bode expiatório" ou uma "força de bloqueio" para justificar a sua inoperância governativa. E a verdade é que, contra todas as pressões políticas, o Tribunal Constitucional é, neste momento, o principal "partido de oposição" do Governo. Não por vontade do Tribunal, claro, mas por culpa própria da Maioria.