Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba.
Vergílio Ferreira
Álvaro Santos Pereira lançou um livro com o título ‘Reformar sem medo’, que chegou na passada sexta-feira às livrarias, onde faz revelações surpreendentes (ou não) sobre Paulo Portas.
O antigo responsável pela pasta da Economia refere como viveu os primeiros dias de Julho de 2013 quando ainda estava no governo. O timing da demissão do Ministro das Finanças surpreendeu-o, mas, a maior surpresa aconteceu quando Paulo Portas apresentou a «irrevogável demissão» e acabou empossado vice-primeiro-ministro
«Senti que a pátria tinha sido traída e que o país tinha sido atirado para a lama, tínhamos acabado de deitar o trabalho dos últimos dois anos para o lixo. (…).
Santos Pereira acusa Portas, líder do segundo partido de coligação, de ter feito «intriga e chantagem com um país numa situação dramática e que estava sob assistência financeira», numa atitude que não merece perdão, dá conta o Observador.
«O que me é insuportável é a intriga pela intriga, é os políticos fazerem tudo o que está ao seu alcance, sem olhar a meios, para ter mais poderes ou ganhos políticos. Isso, acho profundamente lamentável, errado», escreve Álvaro, referindo-se à atuação de Paulo Portas, dizendo mesmo que não tem dúvidas que parte dos ataques que sofreu vieram de fontes internas, afirma, lembrando uma célebre frase do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill: «Os adversários sentam-se em frente e os inimigos ao lado (na bancada do Governo)».
«Em qualquer outro país minimamente avançado e democrático, essas ações nunca seriam perdoadas, nem pela opinião pública, nem pela imprensa e muito menos pelo próprio partido. É chocante e é pena que os agentes políticos e a imprensa não tenham atuado em conformidade com alguém que assim agiu. Porque será?», questionou.
Vale a pena ler este excelente artigo de Miguel sousa Tavares, hoje, no Expresso sobre a detenção de José Socrates, cujo título é «O Linchamento de José Sócrates». Como nem todos têm acesso ao Expresso online, aqui transcrevo o texto na íntegra:
«Mal se anunciou a prisão de José Sócrates, o país saiu à rua em festa virtual... Fui testemunha, madrugada fora, da felicidade de milhares... O cidadão comum teme que José Sócrates acabe sem castigo. Eu também”.
Alberto Gonçalves, “DN”, 22.11.14.
O “cidadão comum” e o Alberto Gonçalves podem estar descansados: pior castigo do que aquele que José Sócrates já teve é difícil. Tratando-se do cidadão José Sousa, os danos sofridos por ora ficariam no estrito conhecimento de alguns familiares e amigos íntimos, aguardando ele, quase de certeza em liberdade, que o julgamento os agravasse ou não. Mas tratando-se do cidadão José Sócrates Pinto de Sousa, os danos — pessoais, familiares, políticos e profissionais, agora e para sempre — são irreversíveis. E à prisão preventiva soma-se a condenação preventiva e definitiva. Se a vontade do “cidadão comum” fosse bastante, nem haveria necessidade de julgamento: ele já está feito.
Ninguém, absolutamente ninguém de boa-fé, pode dizer neste momento se José Sócrates é culpado ou inocente das gravíssimas acusações de que foi alvo. Pela simples razão de que um processo-crime se divide em várias fases — inquérito e acusação, defesa e contraprova, pronúncia ou arquivamento, e julgamento — e apenas estamos na primeira. Se a “prisão” (como sintomaticamente escreve Alberto Gonçalves, em lugar de “detenção”) tivesse já por si o valor de uma sentença condenatória, estaríamos de regresso à barbárie. Mas os magistrados não são o “cidadão comum” e a sua justiça é a do Estado de direito e não a da turba linchadora. A sua primeira tarefa é exactamente essa, a de tornar clara a diferença.
Pessoas que respeito têm argumentado que a insistência na crítica aos “pormenores” que envolveram a detenção, interrogatório e prisão preventiva de Sócrates desviam as atenções do essencial, que é a gravidade das acusações contra ele. Estão errados, por várias razões: primeiro, porque isso pressupõe o tal julgamento prévio de condenação; segundo, porque, não se conhecendo em toda a sua extensão a acusação e, em extensão alguma, a defesa, a única coisa que pode ser seriamente discutida é exactamente a parte processual relativa à detenção, interrogatório e medidas de coacção; e, em terceiro lugar e sobretudo, porque, ao contrário do que afirmam, não se trata de pormenores, mas justamente da marca de água onde se encontra ou não o rasto do respeito pelos direitos de cidadania, justamente quando ele é mais necessário. Os meus leitores far-me-ão o favor de lembrar que há muito escrevo sobre a Justiça, não ocultando todas as críticas que crescentemente me mereceu o que vejo como uma deriva justiceira, muitas vezes assente no atropelo de leis e princípios básicos de um Estado de direito, e fundada num especialíssimo regime de absoluta irresponsabilidade e ausência de controlo externo, como seria recomendável em democracia. As circunstâncias da “Operação Marquês” não fizeram senão cimentar as minhas razões.
Para começar, não acho normal nem saudável que todos os principais crimes mediáticos ou envolvendo os chamados “poderosos” tenham a instrução a cargo de um único juiz e um único procurador. É assim há dez anos no TCIC e nem a nomeação de outro juiz, em Setembro passado, fez com que Carlos Alexandre deixasse de chamar a si todos os processos principais: Ricardo Salgado, vistos gold, José Sócrates. Ora, isto contraria um princípio fundamental da justiça que é o do “juiz natural”: não são os juízes que escolhem os processos, mas os processos que escolhem os juízes — por escala ou por sorteio. Mas quando só há um juiz (e um procurador), este princípio é espezinhado e, pela ordem natural das coisas, o juiz passa a fazer parte da equipa de acusação com o Ministério Público e a polícia criminal — o que é um grave desvirtuamento da sua posição, que deve ser de equidistância entre as partes. E, em termos práticos, um tribunal onde só há um juiz e um procurador, podendo haver vários, é um tribunal especial — coisa que a Constituição proíbe, por razões que qualquer democrata compreende. Depois, e como já muitas vezes disse, não aceito a figura agora em voga da detenção para interrogatório ou para investigação. Considero-a uma interpretação abusiva e intolerável da lei. Respondem que havia o perigo de Sócrates, desembarcado em Lisboa, ir directo a casa destruir provas. Pois que tivessem feito a busca antes, quando ele cá estava: bastava tocar à campainha e mostrar o mandado. Ou então esperavam-no discretamente no aeroporto e perguntavam-lhe se ele consentia numa busca imediata, evitando a detenção.
Nós, os que ainda não votámos nas redes sociais, precisamos de saber se, no final de um processo justo, José Sócrates é culpado ou inocente
Mas a verdade é que não tenho grandes dúvidas de que a detenção prévia, as filmagens após comunicação interna, o aparato policial no tribunal, a saída em carrinha celular, tudo foi feito com a clara intenção de o humilhar, num ajuste de contas que vem bem de trás e que já conhecera dois episódios absolutamente lamentáveis para a justiça: a tentativa de o incriminar por “atentado ao Estado de direito” e o vergonhoso processo Freeport.
Não acho aceitável que a PGR faça sair um comunicado após a detenção em que logo se diz que esta foi fundada na análise de “movimentos bancários sem justificação conhecida ou legalmente admissível” — justamente o que cabia provar à acusação e sobre o que o arguido ainda nem sequer se tinha podido justificar. E não quero acreditar que o despacho com as medidas de coacção tenha as 236 páginas que vi referidas, pois que isso levaria a pensar que, mesmo com abundante copy-paste, a decisão já estaria na cabeça do juiz antes mesmo de ele escutar as explicações dos arguidos e os argumentos da defesa. Acima de tudo, porém, aquilo que não é possível aceitar, sob pena de total capitulação perante o abuso, é a habitual, mas desta vez absolutamente escabrosa, violação do segredo de justiça. E não me refiro aos jornais de estimação do Ministério Público ou ao ‘jornalismo do botox’, mas sim a um jornal como o “Público”, que, citando “fonte próxima do processo”, pespega com toda a acusação do MP no jornal, tratando-a como verdade definitiva e sem ter ao menos o cuidado de perguntar à fonte quais os elementos de prova concretos em que se fundava tal verdade. Não vale a pena alongarmo-nos em considerações sobre a intolerável prepotência que representam estas grosseiras e sistemáticas violações do segredo de Justiça por parte das entidades de investigação criminal: quem não percebe é porque só vai perceber se um dia lhe tocar. Mas é de uma imensa hipocrisia a vigência de um sistema de segredo de Justiça que permite que na fase da instrução (que, compreensivelmente, é aquela em que é excepcionado o princípio da igualdade entre partes), essa desigualdade legal seja acrescentada por uma desigualdade ilegal que faz com que a defesa esteja obrigada ao silêncio, enquanto a acusação litiga publicamente nos jornais, fazendo passar a sua versão, sem contraditório. Além de mais, é de uma cobardia sem remissão. E que serve dois fins: instigar o tal julgamento do “cidadão comum” e ficar bem na fotografia, quando todos, temerosamente, vêm dizer que “a Justiça funciona”. Como se a simples prisão de suspeitos e a divulgação pública das suspeitas, sem lugar a defesa, fosse sinal de que a Justiça funciona! Porque será então que os armários estão cheios de processos assim iniciados e que, uma vez promovido o julgamento popular, nunca mais chegaram a julgamento num tribunal?
Tudo isto são pormenores? Pois, talvez. Mas preparem-se para muitos mais pormenores destes, porque, como diz o povo, o que começa torto, raramente se endireita. E nós precisamos de saber, sem uma dúvida razoável, se, no final de um processo justo, José Sócrates é culpado ou inocente. Nós, isto somos: os que ainda não votámos nas redes sociais nem celebrámos madrugada fora a sentença que queremos. Nós os que ainda acreditamos que se fez um longo caminho desde os tempos em que o imperador consultava a turba para que ela decidisse a sorte dos condenados.»
Miguel Sousa Taavres, Expresso , 29 de novembro de 2014
Depois do ‘caso Casa Pia’ de má memória, o PS vê-se agora confrontado com o ‘caso Sócrates’.
Se no primeiro caso foram envolvidos nomes de dirigentes socialistas com as consequências que advieram para os socialistas (prisão de Paulo Pedroso), no caso mais recente é um ex-líder do partido e ex-primeiro-ministro que por força de uma decisão judicial foi preso preventivamente.
Nada pior podia ter acontecido ao recentemente empossado António Costa, do que ver justamente o dia da sua posse como secretário-geral, ser abalado por um «terramoto político» desta dimensão.
Com a experiência de 2004 e com o subsequente desvario socialista, Costa procurou imediatamente minimizar os danos e colocar o PS o mais longe do epicentro do terramoto.
Nesse aspeto Costa parece ter superado o primeiro teste à sua liderança, colocado pela detenção do ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates. O SMS que enviou aos militantes no sábado de manhã - apelando à separação dos «sentimentos de solidariedade e amizade pessoais» da Justiça - surtiu efeito e vários comentadores consideraram que foi a melhor forma de reagir. Mas este é só o primeiro teste que terá de enfrentar.
Mas o problema de Costa, como aliás de quase todos os líderes do PS, à exceção talvez Sócrates, é que a sua autoridade interna no partido não se consegue afirmar como uma liderança forte. Por isso não admira que um número crescente de socialistas, à margem das instruções do líder, tenha vindo para o espaço público comentar o acontecimento e manifestar a convicção na inocência de Sócrates, o que representa implicitamente uma crítica à investigação e à autonomia do poder judicial.
Tudo isto, obviamente é mau para o PS, porque faz um ruído desnecessário, enfraquece a liderança de Costa, e chama a atenção para o partido, quando aquilo justamente que António Costa deseja neste momento, é que as atenções não fiquem concentradas nele e no PS por este motivo.
E o pior ainda pode estar para vir. Este fim-de-semana o PS tem congresso. Costa sabe bem que corre o risco do congresso, que devia ser a consagração e legitimação da sua liderança, poder resvalar num congresso de solidariedade com José Sócrates. Não tanto por força das figuras destacadas do partido, mas porque existe a possibilidade de um ou outro militante de base subir à tribuna na FIL e fazer discursos inflamados de apoio ao ex-líder detido e desferir críticas ao poder ao poder judicial.
Este é um cenário que Costa certamente receará e que não lhe interessa de todo, por duas razões fundamentais: a primeira, porque centra as atenções no ‘velho PS’ quando ele pretender afirmar um PS renovado e traçar um novo rumo para o partido. E a outra, a mais importante e a mais decisiva, porque António Costa sabe que o preso nº 44 não é apenas José Sócrates o anterior ídolo dos socialistas, mas quem habita no Estabelecimento Prisional de Évora atualmente é o homem que comandou os destinos de Portugal entre 2005 e 2011 e que durante esses seis anos teve um papel preponderante no país onde deixou marcas indeléveis, no partido e nos seus militantes.
E essa é a bomba que Costa teme que lhe estoire nas mãos, porque sabe os danos colaterais para o partido e para si próprio que esta hipótese colocaria.
É este o próximo obstáculo que o atual líder do PS vai ter pela frente. Resta-lhe tentar minimizar esses estragos, marcando a agenda com propostas concretas para o partido e para o país.
Faleceu o Engº. Sousa Veloso, uma das figuras incontornáveis da história da RTP. O TV Rural, programa que o popularizou, surgiu numa altura em que a RTP pretendia levar semanalmente (aos domingos) até à casa dos portugueses, um programa ligado à agricultura e aos problemas do sector (agricultores e gentes das terras), de uma forma técnica e educativa, num país que naquela altura era marcadamente rural.
As memórias de um programa que ao longo de três décadas entrou de forma regular nos lares portugueses, deixou fortes nostalgias e recordações a todo um país. É assim impossível apagar da memória o genérico de abertura, a famosa música do folclore português, A Tirana.
Recordo, igualmente, a famosa saudação final - «senhores telespectadores despeço-me com amizade até ao próximo programa» - e, claro está, a voz e a presença inconfundíveis do apresentador, com o seu ar simpático e bonacheirão.
Mas, essencialmente o seu «despeço-me com amizade» sobreviverá para sempre na minha memória.
O juiz Carlos Alexandre é o magistrado de que se tem mais ouvido falado nos últimos tempos. Foi responsável por processos como a Operação Furacão, BPN, Máfia da Noite, Face Oculta, Remédio Santo, CTT, Freeport, Submarinos, Apito Dourado, Portucale e Monte Branco.
Desde a semana passada, tem nas mãos a Operação Labirinto, a investigação à atribuição de vistos gold e mais recentemente a Operação Marquês que envolve o antigo primeiro-ministro, José Sócrates.
Quando há necessidade, na fase de investigação, de ouvir um arguido, pelo menos nestes megaprocessos mais mediáticos, recorre-se, invariavelmente, no Tribunal Central de Instrução Criminal, ao juiz Carlos Alexandre. Parece que há uns tempos atrás era mesmo o único juiz do TIC.
Ora, quem sou eu, que nem sequer tenho formação jurídica, para avaliar se as medidas de coação aplicadas pelo magistrado são adequadas ou não?
Agora, o que eu sei, por uma questão de bom senso, é que todas a decisões tomadas carecem previamente de muita ponderação, de alguma maturação e de leituras aturadas das peças processuais que são imensas!
Por muita capacidade de memorizar que tenha, por muito workaholic que seja, e ao que parece é, penso que existe um limite. Caramba! Afinal somos todos humanos e as nossas capacidades não são inesgotáveis!
Por isso, sem nunca pôr em causa as decisões tomadas, a competência e a coragem demonstradas pelo meritíssimo juiz, certo é que há muito deixei de acreditar em super-homens, exceto na ficção.
Ora se um mesmo juiz está em simultâneo com vários processos, ininterruptamente, sem um fim de semana sequer para descansar, corre o risco de exaustão que necessariamente influenciará as decisões tomadas e correr esse risco, parece-me, é pernicioso para o funcionamento do sistema judicial.
Pode-se gostar ou não do visado neste artigo. Mas é impossível ficar indiferente à frontalidade e assertividade do artigo e sobretudo à coragem e à prova de amizade que o mesmo encerra.
Tinha tudo para ser um dia memorável para o PS e para António Costa, não fosse a data coincidir com a detenção de José Sócrates.
Contudo, António Costa a fim de separar as águas enviou uma mensagem em que pedia aos militantes socialistas para que não confundissem a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates com a ação do partido. O SMS enviado em que dizia:
«Caras e caros camaradas, estamos todos por certo chocados com a notícia da detenção de José Sócrates. Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos». Certamente os erros cometidos com o caso Casa Pia e a forma como lidaram como na altura lidaram com o processo judicial foram assimilados.
António Costa foi eleito secretário-geral do PS com 96% dos votos. No discurso proferido, homenageou todos os antigos líderes do partido e afirmou que os socialistas saem unidos deste processo eleitoral.
O novo secretário-geral fez questão de homenagear igualmente todos os seus antecessores, de Mário a António José Seguro, e enaltecer a história do partido.
A propósito da detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates, António Costa manifestou ainda solidariedade para o antigo governante, mas escusou-se a comentar a atuação das autoridades judiciais no caso. Face à insistência dos jornalistas, respondeu que «o PS existe há 41 anos, e existirá por muitos mais anos, e tem uma agenda própria que transcende a agenda mediática do dia de hoje: é a agenda de construção de uma alternativa política para o país».
Afirmou, ainda que o PS que não adota as más práticas estalinistas de eliminação de fotografias e que assume toda a sua história nos bons e nos maus momentos.
António Costa acrescentou ainda que doravante o PS deverá adotar plenamente a sua função de maior partido da oposição e assumir a responsabilidade na construção de uma alternativa a este Governo e às suas políticas.