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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Qui | 10.03.16

O Presidente dos afetos

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Esta fotografia de Marcelo Rebelo de Sousa na Praça do Município a assistir ontem ao concerto abraçado a um miúdo, visivelmente feliz, resume bem o epiteto de o «Presidente dos Afetos». Os afetos serão a pedra de toque do estilo que Marcelo quer levar para Belém, para além da proximidade, simplicidade e estabilidade.

A entrada em cena de alguém com sua dimensão humanista, com a sua mundividência, com as suas múltiplas qualidades (e com os seus defeitos), poderá ter um efeito mobilizador no povo português, depois de dez anos de penumbra, que não podem ser desperdiçado.

Mas uma coisa é certa: por muito boas intenções que o Presidente tenha e acredito que terá, os estados de alma não resolvem, por si só, os problemas sociais, económicos e políticos que Portugal atravessa e que são complexos, como bem sabemos.

Até agora fez tudo bem. As expectativas estão elevadas. Vive-se um ambiente eufórico à volta do atual Presidente. Marcelo goza de boa imprensa e o estado de graça mantêm-se, mas os tempos que aí vêm continuarão a ser difíceis e Marcelo vai ter de mostrar o que vale quando for chamado a resolver questões mais sensíveis. Veremos como sai delas!

Qua | 09.03.16

Alentejo prometido, de Henrique Raposo

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Ontem, Henrique Raposo lançou o seu livro da sua autoria Alentejo Prometido, com a chancela da Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde o autor retrata a sua vivência em terras alentejanas, através de histórias familiares e memórias pessoais e escreve sobre fenómenos sociais como o suicídio a violência doméstica ou a pobreza na região alentejana, dando algumas explicações para a ocorrência desses factos.

Muito antes de a obra ter sido oficialmente apresentada começou a causar contestação nas redes sociais e fora delas, sobretudo depois da participação do autor no programa da SIC Radical Irritações, de Pedro Boucherie Mendes, onde afirmou que «para um alentejano, o suicídio é como se fosse um fenómeno perfeitamente natural: «Olha, matou-se», ou referindo-se às alentejanas mais idosas, as quais, segundo Raposo, nem sequer têm uma palavra para descrever ‘ violação’ limitando-se a dizer: «Ele chegou-se ao pé e mim e pronto», são duas das frases mais criticadas.

Na rede social Facebook foi mesmo criada uma página intitulada ‘Henrique Raposo - O Inimigo Nº1 do Algarve e do Alentejo’, que conta já com milhares de seguidores. Num dos posts, um homem surge fotografado a incendiar alguns exemplares do livro.

Não nutro especial simpatia por Henrique Raposo que conheço apenas das crónicas do Expresso. Não li o livro e, provavelmente, não o irei ler, mas entendo que o autor tem todo o direito de publicar o que bem lhe apetecer, pois assim o exige a mais elementar noção de liberdade de expressão.

É claro que muitos poderão discordar da visão que Henrique Raposo tem do Alentejo, estão no seu pleno direito, mas não devem esquecer que essa é uma visão meramente pessoal. As opiniões de Henrique Raposo como as de qualquer pessoa poderão ser discutíveis, aceito até que haja quem não aprecie o estilo, o que já não me parece aceitável é a autêntica campanha movida contra o livro e o seu autor. Uma campanha que não se fica pela divergência de ideias, estende-se aos insultos e ameaças físicas. Discordar sim, censurar nunca. Até porque fazer tanto ruído a volta deste assunto só serve para promover ainda mais o livro e o seu autor.

Ter | 08.03.16

No dia internacional da Mulher

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«Hoje esqueçam as flores. Ainda que sejam rosas. Dadas com carinho, até. Esqueçam o carinho, sim? Apanhem as vossas meias sujas do chão. Já está? Foi fácil, não foi? Não é física quântica. É só o B-E-Bá da vida de qualquer adulto. E, neste caso, pode ser o vosso gesto dedicado ao dia da Mulher.

Se quiserem ir mais longe, juntem as vossas meias sujas com a outra roupa toda que está no cesto, ponham-na na máquina. Não perguntem – por favor não perguntem – qual é o programa ou a quantidade de pó, se se põe no tambor ou na gaveta. Depois, estendam-na. Com molas, no fio, direitinha. Não façam de tontos, não a amarfanhem. Como se quem sabe mudar um pneu não pudesse saber como estender roupa num fio. Apanhem-na mal seque, e olhem para o tempo que faz. Não é preciso ser meteorologista para saber se vai ou não chover, nem físico para perceber que a roupa vai ficar molhada. Organizem-se. E a seguir, vá, passem-na a ferro. Arrumem-na sem misturar as meias com as cuecas.

É pouco? Talvez não seja. Assim como a caridade, também o feminismo começa em casa. Pouco se presta atenção a esta questão, tantas vezes relegada para a intimidade doméstica, para aquilo de que ninguém fala, ou gosta de falar. E, no entanto, é aqui que tudo começa: a desigualdade, a diferença de tarefas, a tradição que empurra as mulheres para terem de desempenhar tarefas corriqueiras, perdendo, assim, o tempo para se dedicarem a algo que seja mais importante para elas.

Quantas mulheres, dessas executivas, em cargos de chefia, ombreando com qualquer pessoa em eficiência e qualidade, chegam a casa e se transformam em escravas do lar – desculpem as palavras duras, mas são para serem melhor percebidas – têm de pensar no que vão fazer para o jantar enquanto os maridos esperam por ele refastelados no sofá? Imaginem o que isso faz a uma pessoa, ao amor próprio de uma pessoa. E, claro, o efeito que tem nas imagens que a sociedade perpetua, nos estereótipos que se vão reproduzindo ao longo dos tempos.

Já há até, imaginem, estudos científicos sobre o tema. No ano passado, provou-se que o tempo que uma mulher passa a fazer trabalhos informais – que não são contabilizados como trabalho – é sete vezes mais do que o dos homens. E isto é especialmente agudo em Portugal, onde, segundo a Pordata, “a taxa de atividade, que representa a percentagem de pessoas com mais de 15 anos empregada ou à procura de emprego, é de 58,8%, (entre as mulheres) das mais altas a nível europeu”. Perceberam o efeito que pode ter, a partir de hoje, apanharem as vossas meias?»

Catarina Carvalho, diretora

Ter | 08.03.16

Três anos!

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Quando criei este blog, faz hoje três anos, não tinha grandes pretensões com ele. Basicamente pretendia uma plataforma fácil, rápida e intuitiva para passar para palavras aquilo que me ia passando pela cabeça sobre a atualidade social e política e sobre realidade que me rodeava.

Quando olho para trás reconheço que o «Narrativa Diária» excedeu as minhas expectativas, pois nunca pensei que ele se mantivesse durante três anos.

Não sei quantos mais irá durar, sei, isso sim, que enquanto este blog me continuar a dar prazer e a fazer feliz, por aqui continuarei. Este pequeno espaço perdido na imensidão da blogosfera tem sido uma parte boa da minha vida.

Por isso hoje o agradecimento maior vai para todos os que me leem. Os novos e os de sempre e para todos que tem acreditado nisto.

Bem-Hajam!

Dom | 06.03.16

O Sporting poderá ontem ter entregado o campeonato ao Benfica

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Num jogo de «mata-mata» podemos resumir o jogo numa frase: «quem não mata, morre». É que Bryan Ruiz entregou de bandeja, se me é permitida a expressão, o campeonato ao Benfica, porque quem desperdiça dois golos praticamente feitos, um deles de baliza aberta, ficará claramente ligado pelos piores motivos à história deste Campeonato! E não é caso inédito, pois já em Guimarães falhou outro golo idêntico! Ou seja, Ruiz é o responsável por cinco pontos perdidos nos últimos dois jogos!

O Benfica dispôs apenas de uma oportunidade de golo, um remate fraco de Samaris em que a bola ressaltou em William Carvalho que por sua vez escorrega e permite a Mitroglou faturar. Este momento juntamente com um remate de Renato Sanches ao lado foram os lances de ataque, que me lembre, em 95 minutos da partida por parte do Benfica! Muito pouco, mas chegou de facto!

Outro aspeto determinante foram as substituições efetuados sem critério e sem nexo, quando o Benfica estava desde o início da 2ª parte encostado ao seu reduto. Se Bruno César não fez um jogo deslumbrante, a entrada de Téo voltou a não resultar, o colombiano, neste momento, nada acrescenta à equipa, é como se estivéssemos a jogar com dez jogadores. É nestas alturas que mais se faz sentir a falta do talentoso Fredy Montero! Afinal foram buscar Buarcos para suprir a sua ausência e nem sequer é opção! 

Por fim, uma palavra para Renato Sanches. Pese embora seja um miúdo de 18 anos e naturalmente com falta de maturidade, não se pode permitir uma entrada daquela dureza, podendo lesionar gravemente o seu colega! Inadmissível! Deveria seguramente ter sido punido com o cartão vermelho.

Finalmente e como referi no post anterior, penso que o Benfica poderá ter conquistado em Alvalade o ânimo e a confiança de que necessita para se sagrar campeão, devido à proteção que tem da arbitragem, por via até do calendário mais favorável de que dispõe.

No entanto, esperava mais deste Benfica que jogou a segunda parte como uma «equipa pequena», fez muita contenção de bola, muito antijogo com a complacência da equipa de arbitragem. No fundo defenderam a vantagem da 1ª parte. Por tudo isto, mais do que o Benfica ter ganhado ontem o jogo e liderar o campeonato, penso que foi mais o Sporting que o perdeu e hipotecou as hipóteses de ser campeão. Foi pena! Os adeptos sportinguistas que apoiam incondicionalmente a equipa não mereciam!

Sab | 05.03.16

Hoje é dia de dérbi em Alvalade

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Um dérbi é sempre um jogo imprevisível, por isso é sempre um resultado de tripla.A moral com que sairá o vencedor deste jogo para o que resta do campeonato, é algo que ambos os treinadores sabem ser uma evidência, ainda que os discursos de ambos possam espelhar o contrário.Assim sendo, três cenários são possíveis:

Vitória do Sporting

Em caso de vitória o Sporting, como espero e desejo,  lança-se em definitivo para a conquista do título com apenas 9 jogos por disputar (27 pontos), ficando com 4 pontos sobre o Benfica (na prática serão 5 pela vantagem nos confrontos diretos com o Benfica). Quatro pontos é também a vantagem sobre o Porto (que poderá ser maior caso os portistas vençam em Braga amanhã).

A vitória do Sporting significará um acréscimo de moral na equipa, e uma quebra de confiança nos rivais. É por isso que este jogo é decisivo para os leões e o Sporting têm forçosamente que o vencer se quiser continuar na luta pelo tão almejado título de campeão que lhe foge há catorze anos.

Empate

Para os sportinguistas poderá ser um rude golpe pelo facto de ser mais uma cedência de pontos em casa, fazendo crescer dúvidas sobre as nossas reais possibilidades de nos tornarmos campeões, até porque até ao final temos que disputar jogos difíceis com o Braga e Porto, sendo que dos três grandes o calendário é mais difícil para o SCP.

Um empate deixará Sporting e Benfica à mesma distância pontual, mas terá um maior significado para os benfiquistas, porquanto depois de 3 derrotas esta época frente ao Sporting, será lisonjeiro não perder novamente, fazendo aumentar a esperança por via até do calendário teoricamente mais fácil para o SLB que para os sportinguistas.

Mas, se o Porto amanhã vencer em Braga e com vantagem no confronto estará com a moral em alta e relança o campeonato a três. Este é o único resultado que, acredito, pode levar o F.C.Porto a entrar novamente na corrida pelo título.

Vitória do Benfica

Tal como acredito que uma vitória do Sporting nos lançará em definitivo no caminho da conquista do título, o mesmo acontecerá em caso de vitória do Benfica. A vantagem dos benfiquistas será de 2 pontos para o Sporting e eventualmente 3 pontos para os portistas, beneficiando de um calendário bem mais simpático que os seus rivais.

A desvantagem no confronto direto será sempre uma realidade, mas acredito que o facto de irem à frente e o ‘colinho’ fará seguramente a diferença no que resta de campeonato.

Sex | 04.03.16

«À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta»

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A ex-ministra das Finanças de Passos Coelho foi contratada como diretora pelo grupo Arrow Global, a qual compra e gere dívida de países europeus. Este grupo teve lucros astronómicos em 2015, devido a negócios efetuados em Portugal e na Holanda. Comprou duas empresas do sector em Portugal, a Whitestar e a Gesphone, que estavam envolvidas na compra de ativos do Banif, as quais atingiram 2300 milhões de euros, sendo que a Whitestar comprou cerca de 300 milhões de créditos em risco do Banif enquanto Maria Luís era Ministra de Estado e das Finanças.

Portanto, o se passa é que Maria Luís enquanto estava no Governo representava o Estado como maior acionista do Banif e vai agora trabalhar para os mesmos a quem antes o Banif vendeu ativos.

Já se conhecia a pouca seriedade de Maria Luís no caso dos Swaps. Já se suspeitava da sua incompetência com o Banif e com os números do défice estrutural, ficamos agora a conhecer os princípios éticos que a movem.

O que está em causa não é apenas o regime de incompatibilidades e o período de nojo dos titulares de cargos políticos de que a ex-ministra fez tábua rasa. O que está em causa é o simples facto de uma figura do governo anterior que não faz ideia do que sejam princípios morais e éticos ter desempenhado durante três anos o cargo de ministra das Finanças e do Estado.

É por demais evidente que esta contratação deve passar pelo crivo da Comissão de Inquérito ao Banif e a Comissão de Ética da Assembleia da república deverá pronunciar-se.

Já agora seria do mais elementar bom senso a fim de dissipar toda e qualquer opacidade, alterar a lei que rege o regime de incompatibilidades dos ex-titulares de cargos políticos, no sentido de alargar o período de impedimentos por seis anos, como o Bloco de Esquerda propõe, estendendo o âmbito a todas as empresas privadas do setor ao qual o antigo governante ou deputado esteve ligado durante o período em exerceu funções governativas.

Last but not least, os ventos não estão definitivamente a soprar de feição para a ex-ministra das finanças. É que a Justiça inglesa acaba de dar razão ao Santander Totta no processo contra o Estado depois de Maria Luís Albuquerque ter cancelado nove swaps com o banco. A fatura total para o Estado (leia-se contribuintes) é de 1,8 mil milhões de euros.

 

Qui | 03.03.16

«Há dias assim»

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Socorro-me do balanço feito pelo bloquista João Semedo feito na sua página de facebook, a propósito das notícias que vieram hoje a público deste pequeno 'retângulo' à beira mar plantado: 

«HÁ DIAS ASSIM

Manuel Damásio, ex-presidente do Benfica, detido pela PJ por suspeita de branqueamento de capitais e tráfico de influências.

Maria Luís Albuquerque, contratada para administradora do grupo internacional que comprou dívida ao Banif no período em que a ex-ministra era responsável pelo banco.

José Manuel Coelho, deputado na Assembleia Legislativa da Madeira, despiu-se no parlamento regional, protestando contra a penhora do seu vencimento.

Cavaco Silva, preside à reunião do Conselho de Ministros dedicada às políticas do Mar a uma semana de deixar Belém.

Sónia Melo, cientista portuguesa, suspensa de funções após ter sido acusada de manipulação de dados.

Henrique Raposo, apresenta livro sobre o Alentejo em sessão vigiada pela PSP.

Uff, fico-me por aqui. Que país este...»

Qua | 02.03.16

«Super terça-feira»

 

 

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Nos EUA teve ontem lugar a «Super terça-feira». Assim chamada, porque, no âmbito das primárias americanas, foi o dia em que mais Estados e territórios norte-americanos votam para a nomeação oficial do candidato presidencial democrata e republicano durante as convenções nacionais dos partidos às presidenciais de novembro. Foram 14 os Estados que foram a eleições, num dia considerado determinante para definir o destino dos candidatos republicanos e democratas à Casa Branca.

Do lado dos Democratas, Hillary Clinton foi a grande vencedora, ganhando em sete dos 11 Estados disputados e numa região, de acordo com os resultados preliminares e sondagens. A candidata do Partido Democrata às presidenciais dos Estados Unidos conseguiu a maioria dos votos no Alabama, Arkansas, Geórgia, Massachusetts, Tennessee, Texas, Virgínia e na Samoa Americana. O seu rival, o senador Bernie Sanders conquistou os estados do Colorado, Minnesota, Oklahoma e Vermont. Hillary Clinton celebrou a vitória parcial nas primárias da «Super terça-feira» que até agora, lhe concedeu seis estados, segundo as sondagens, ficando a situação praticamente resolvida, já que Hillary tem um avanço significativo nos delegados, quase mais 500 do que Bernie Senders. A vitória esmagadora que teve na Carolina do Sul - quase 50 pontos à frente do seu principal adversário – deu-lhe um grande impulso.

No que toca ao partido republicano, Donald Trump conquistou pelo menos sete dos 11 estados disputados, alcançando a maioria dos votos do lado dos conservadores, nomeadamente no Alabama, Georgia, Massachusetts, Tennessee, Arkansas, Vermont e Virgínia, estando ainda a ser apurado o Alaska, o último estado desta «Super terça-feira». Trump não venceu, no entanto, no Texas, Estado onde se elegiam mais delegados. Aqui o vencedor foi Ted Cruz que conquistou também Oklahoma.

Donald Trump ainda não tem o caminho aberto. Todavia, o milionário está a surpreender e a criar uma dinâmica de vitória. O republicano que há dois meses era encarado como uma farsa, paulatinamente vem ganhando terreno. Já ganhou em três Estados e a vitória no Nevada foi muito importante porque derrotou Marco Rubio e Ted Cruz.

Ter | 01.03.16

E eis que novamente chega março

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«Março. Março é o mês da Primavera. Março é o mês em que, no dia 21, primeiro dia, nos restituem a hora que nos roubaram quando começou a anoitecer muito cedo.

Março é um mês em que pode haver calor. Mais: Março é um daqueles meses que, de vinte em vinte anos, leva as pessoas a dizer que já não há Primavera: só o Outono e o Inverno, seguidos pelo calor do Verão.

É uma mentira aprazível. Claro que haverá Primavera. E muita chuva. E frio atrasado. E, mesmo em Maio, a sensação que continua a ser Novembro.

O tempo e o clima - caso se consiga achá-los diferentes - enganam-nos sempre. Os meses estão mal divididos mas as estações do ano, fazendo muito mais sentido (por muito pouco que seja), dão-nos as incertezas mais pequenas de que precisamos para sobreviver, pensando que somos, de alguma maneira infinitésima e irrelevante, capazes de prever (até toscamente) o futuro efémero que nos espera durante muito pouco tempo, antes de se transformar noutra coisa que só vagamente previmos e tememos.

Abril dá águas mil mas Março é o mês em que a Primavera, por muito que padeça e se transfigure, mais transparece.

Atingimos Março. Os próximos sete meses serão os melhores deste ano e do seguinte. A sorte é uma questão de tempo. O tempo é uma questão de sorte.

O resto é vida: vida viva mas apagada, durante o ano todo, mas à espera de ser acesa e vivida.

Atingimos Março e as nossas vidas - sejam quais forem - renascem, pleonasticamente, mais uma vez».

Miguel Esteves Cardoso - Público

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