Falta um debate alargado sobre a Eutanásia
«Na próxima terça-feira, a Assembleia da República discute e vota na generalidade os quatro projetos de lei (PAN, BE, PS e PEV) para despenalizar e regular a morte medicamente assistida. Nestes últimos meses, partidos, responsáveis da saúde e alguns movimentos da sociedade civil foram tomando posição. Infelizmente, não houve um debate alargado, nem integrador dos diferentes pontos de vista. Agora, serão os deputados a decidir por todos, sendo esse voto depois confirmado, ou não, pelo presidente da República. A pergunta fundamental continua em aberto: quem pode decidir o fim da nossa vida?
Numa primeira abordagem, parecerá imbatível o argumento de que cada um tem o direito de querer morrer com dignidade, nomeadamente em situações de doença ou lesão incuráveis que provoquem um sofrimento intenso. A vida humana é inviolável, mas nunca poderá ser irrenunciável quando perspetivada à luz dos direitos e das liberdades que nos assistem. Assim apresentada, a eutanásia facilmente reunirá consenso. Acontece que há várias modulações a ter em conta.
Destaquemos os médicos. A Ordem dos Médicos sempre se revelou contra a eutanásia. Num debate organizado pelo Conselho Nacional de Ética paras as Ciências da Vida a 20 de junho de 2017 em Braga, o bastonário afirmou que, "caso a eutanásia venha a ser despenalizada, a maioria dos médicos serão objetores de consciência". Anteontem, Miguel Guimarães juntou os anteriores bastonários para entregar uma carta ao presidente da República onde se sublinha que a classe tem a obrigação de cumprir o Código Deontológico da sua profissão e, como tal, não pode ser a favor da despenalização da eutanásia. Na notícia que reportava esta audiência em Belém, o JN escolhia para título uma citação do atual bastonário: "A sociedade não está preparada". Ora, poderá ser este um dos argumentos a usar pelo presidente para travar a lei. Na extensa entrevista que deu no início do mês ao "Público" e à Rádio Renascença, Marcelo Rebelo de Sousa garantiu que a sua opinião e a sua fé católica não interferirão na sua decisão: "Se tiver dúvidas de constitucionalidade, suscitarei fiscalização preventiva; se não tiver, nem de constitucionalidade nem de natureza política, promulgarei". Todavia, há quem duvide que assim seja, até porque o presidente tem ouvido muitas vozes que lhe manifestam muitas reservas quanto a este passo legislativo (as audiências de ontem no Palácio de Belém são um bom exemplo disso). O próprio patrocinou mesmo o ciclo de conferências organizado pelo Conselho Nacional de Ética paras as Ciências da Vida onde se ouviram muitas posições contrárias a esta iniciativa do Parlamento português.
É verdade que o debate não foi amplo, nem participativo. De cada um dos lados, houve pessoas que se mobilizaram, mas isso não foi o suficiente para que houvesse um vasto esclarecimento».
Felisbela Lopes - JN