Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba.
Vergílio Ferreira
O furto de material militar na base de Tancos em junho de 2017 veio por em causa a Defesa e as Forças Armadas, colocando a tutela política, nomeadamente o ministro da Defesa debaixo de fogo.
Um dos momentos mais caricatos aconteceu na sequência de uma entrevista do ministro da Defesa, na qual Azeredo Lopes admitiu, numa alusão à falta de provas, que no limite podia não ter havido furto. As declarações provocaram polémica não só a nível político, mas também no Exército e nas entidades que investigavam o caso.
O material militar apareceu a 18 de outubro, num campo aberto, na Chamusca, a 21 quilómetros de onde tinha sido furtado quatro meses antes.
O material foi recolhido pela Polícia Judiciária Militar, que disse ter tido a colaboração da GNR de Loulé, e só depois deu conhecimento à Polícia Judiciária, que liderava a investigação.
Só que, na relação do material encontrado havia uma caixa com 200 petardos a mais, como revelou o próprio chefe do Estado-Maior do Exército numa conferência de imprensa, para dar conta do final das operações de esvaziamento dos paióis de Tancos.
Agora, um ano após o furto de armas em Tancos, sem que se conhecesse ao certo o que se passou, eis as primeiras vítimas: oito detidos - quatro elementos da Polícia Judiciária Militar (entre eles o próprio diretor), três elementos da GNR e um civil (que se crê ter sido o autor do furto). Estão indiciados por uma longa lista de crimes: associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas.
O mais curioso é que a detenção destes suspeitos teve a ver não tanto com o roubo das armas em Tancos, mas com a sua devolução na Chamusca que parece ter sido, afinal, encenada.
A descoberta do material não foi o fim, mas o princípio de uma nova investigação no caso de Tancos. Os procuradores do MP e PJ continuaram o seu trabalho na senda do suspeito do roubo. Chamaram-lhe Operação Húbris, designação que deriva de um conceito grego e que se aplica a tudo o que ultrapassa os limites.
Sabe-se agora que o autor do furto foi um homem, referenciado pelas polícias como traficante de droga e de armas e terá contado com a cumplicidade quer de elementos da GNR, quer da Polícia Judiciária Militar para devolver o material furtado. Ter-se-á valido de informações privilegiadas por parte de ex-colegas para conseguir tirar o material de Tancos.
Assustou-se, contudo, com a repercussão do caso e quis devolver o material roubado. Para tal, contactou um ex-companheiro, militar do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé. Este terá falado com um superior, que contactou elementos da PJ Militar. O plano era a PJ Militar ficar com os louros da descoberta do material furtado e, em troca, encobria-se a autoria do furto. O Ministério Público e a PJ acreditam que a PJM desencadeou «uma guerrilha corporativa» para impedir a identificação dos autores do roubo das armas de Tancos.
Esperemos que agora, no meio desta trapalhada, se possa chegar à verdade sobre o que aconteceu, de facto, sobre este caso.
Depois de o Expresso e alguma comunicação social afirmarem que a recondução de Joana Marques Vidal era mais do que provável, eis que o governo, que sempre se mostrou favorável à existência de um único mandato da PGR, propôs ao Presidente da República a nomeação da magistrada Lucília Gago, o qual aceitou de imediato.
Das duas, uma: ou Marcelo mudou de opinião ou o Expresso fabricou uma das suas fake news.
Depois da pressão exercida pelo CDS e por algumas fações do PSD, em que fizeram desta uma questão fraturante entre direita e esquerda, acusando até o Governo de impor uma fake constitution, como desculpa para travar um segundo mandato da atual Procuradora-Geral da República, esperavam-se manifestações de revolta e repúdio por parte daqueles setores. Porém, as únicas reações negativas conhecidas à nomeação da atual PGR vieram, curiosamente, de quem menos se esperava - Pedro Passos Coelho - , numa carta de agradecimento a Joana Marques Vidal pelo seu desempenho.
É óbvio que esta nomeação foi uma derrota da direita que nos últimos tempos abraçou esta causa e tomou-a como sua, perdendo em toda a linha.
Resta esperar que a nova PGR pugne pelos elementares princípios do Estado de Direito, corrigindo o que correu mal (a incapacidade de garantir o segredo de Justiça, sobretudo) e melhorando o que passou a estar no bom caminho. O País precisa de uma investigação que dê confiança aos cidadãos para não ficar à mercê da impunidade.
A imprensa avança que Joana Marques Vidal deverá ser reconduzida no mandato como Procuradora-Geral da República (PGR). O anúncio deverá ser feito após a viagem do primeiro-ministro a Angola e depois de a ministra da Justiça ouvir os partidos.
De facto, a PGR, comparada aos seus antecessores, lidou melhor com a pressão política e mediática e, por isso, faz sentido que continue a exercer as funções, já que Constituição não o impede.
O que não parece fazer sentido algum é, por um lado, ter-se transformado a eventual recondução da atual PGR na questão política mais importante do país e, por outro, a pressão exagerada exercida pela direita (exceção feita a Rui Rio) e alguma comunicação social para a manutenção da PGR no cargo.
A recondução da PGR é um assunto demasiado importante para andar a ser discutido na praça pública. E parece-me grave que o presidente da República se tenha apropriado de uma função que é da responsabilidade do Governo. António Costa, ao gerir mal o processo, abriu as portas para que o presidente da República se imiscuísse no processo, algo que caberia ao governo fazer.
Até admito, repito, que possa considerar-se o mandato de Joana Marques Vidal melhor que o dos seus antecessores. Já me custa mais a admitir a transferência de competências encapotada entre órgãos de soberania.
O PS desce e fica mais longe da maioria absoluta, precisando de outro partido que lhe permita uma maioria parlamentar. Rui Rio também não há meio de descolar. Os restantes partidos têm pequenas oscilações.
Por isso quase «tudo como dantes, quartel-general em Abrantes».
Boas notícias para a democracia portuguesa. Segundo o relatório anual do projeto Variedade da Democracia, que se propõe medir a qualidade da democracia em 201 países, Portugal surge na 10ª posição nos indicadores democráticos, onde é avaliado não só a democracia formal, mas também os direitos e liberdades da população. Entre os 10 países com melhores resultados, 7 são da Europa e 5 deles pertencem à União Europeia.
Portugal surge atrás da Noruega – que lidera a lista –, da Suécia, Estónia, Suíça, Dinamarca, Costa Rica, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia no que toca ao índice das democracias mais liberais.
Apesar destes bons resultados para o nosso país, as áreas com resultados não tão bons e onde se pode e deve melhorar são: relação poder executivo e poder judiciário, perceção da existência de corrupção e participação das mulheres nos governos.
De realçar que alguns dos critérios referidos são muito subjetivos e arbitrários. É necessária alguma cautela e ponderação, quer em termos absolutos quer em termos relativos no âmbito dos cinco tipos/formas de democracia propostos, sendo certo que a escolha de indicadores para medir alguns aspetos como, por exemplo, a corrupção, precisam de um cuidado adicional, por se tratarem de fenómenos, em relação aos quais as perceções são fluidas, flexíveis e voláteis.
Em entrevista ao ‘Expresso’ do passado fim-de-semana o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, avançou com uma medida que prevê um teto máximo de 30 euros/mês para os passes intermodais dentro da cidade de Lisboa e de 40 euros para toda a área metropolitana, sendo gratuito para crianças até aos 12 anos e a possibilidade de existir ainda um passe família que custará apenas o equivalente a duas assinaturas mensais (60 ou 80 euros). Esta proposta deverá ser suportada pelo Orçamento de Estado e pela autarquia e deverá já constar do Orçamento do Estado para 2019.
A ideia, anunciada por Fernando Medina, já tinha sido discutida em março, num encontro entre autarcas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Depois de a medida ter sido anunciada apenas para Lisboa e Porto, o governo, através do ministro do Ambiente, veio garantir que a mesma, caso seja aplicada, estender-se-á a todo o território.
A criação do Passe Social Intermodal foi uma das medidas de enorme alcance social que foram tomadas no pós 25 de abril, visando o bem-estar da população. Mas, desde então, a realidade urbana alterou-se. Muitas pessoas devido aos elevados custos da habitação na capital viram-se obrigadas a deslocarem-se para concelhos limítrofes, ou seja, fora das áreas geográficas (coroas) deste instrumento de mobilidade. A alternativa é uma oferta dominada pelos operadores privados, na maioria das vezes diminuta e a preços elevados ou o uso de viatura própria com todos os inconvenientes que isso acarreta em termos económicos, sociais e ambientais.
A medida agora proposta beneficia sobretudo os utentes da área Metropolitana de Lisboa, dado que o passe intermodal de 40 € garante a hipótese de circulação completa em Lisboa e fora dela, utilizando conjugadamente e sem acumulações exorbitantes de preço qualquer operador e meio de transporte. A poupança será significativa, já que para um utente que possua um passe combinado Fertagus/Carris/Metro de Lisboa e parta de Setúbal, por exemplo, gasta atualmente 159 euros. Economizaria quase 120 euros. Para os munícipes da capital a redução será menor (6 euros), uma vez que um passe válido para Carris e Metro custa atualmente 36 euros.
Como seria de esperar a oposição veio logo contestar a medida, apelidando-a de eleitoralista e alegando que a mesma não deveria ser suportada pelo OE.
Mas se o dinheiro do OE é resultado dos impostos pagos pelos contribuintes, não deverá ser aplicado em primeiro lugar para garantir-lhes melhores serviços essenciais e públicos?
Acresce que o Passe Social Intermodal é um elemento essencial para uma política de sistema de transportes públicos sustentável, com benefícios para o funcionamento da economia, para a mobilidade e o ambiente e consequentemente para a qualidade de vida das populações.
Por outro lado, é mais vantajoso ao próprio Estado, pois o que se perde em receita compensa-se com o aumento do número de utentes, com a redução de importações de combustível, com a diminuição de tráfego automóvel e de estacionamento, bem como com a melhoria do ambiente e do ordenamento do território.
Será, todavia, importante não esquecer que a eficácia desta medida está igualmente dependente de um investimento paralelo, sério e profundo, numa política de transportes, nomeadamente no transporte ferroviário, fluvial e no metropolitano essencial para que a política de transportes tenha sucesso.