Orçamento eleitoralista e o talento político de António Costa
«O Orçamento do Estado para 2019 é eleitoralista, diz-nos a direita em uníssono. O oráculo do país, Marques Mendes, anunciou numa das suas preleções semanais que este Orçamento “é o mais eleitoralista possível”. Rui Rio disse ter “temores que o Orçamento possa ter um perfil eleitoralista”. No Obs«ervador, os spin doctors do CDS são taxativos: “É eleitoralista, da mesma forma que o são todos os orçamentos de final de ciclo político.” Não há como escapar, se há algo que une a direita nos dias de hoje, é o dedo em riste e o grito “eleitoralismo”.
O que entende a direita por eleitoralismo? O aumento das pensões que estiveram congeladas no tempo em que PSD e CDS estiveram no poder? Será a redução da fatura da eletricidade, no país que tem da energia mais cara da Europa? Serão os descongelamentos da administração pública após mais de uma década de perda salarial? Será a dignidade de acabar com a dupla penalização na antecipação da reforma para quem tem longas carreiras contributivas? Será a redução do valor máximo das propinas que, desde os tempos de Ferreira Leite, nunca tinham baixado sequer um cêntimo? É o aumento do salário mínimo nacional para 600 euros? São os passes que dão às famílias um verdadeiro acesso aos transportes públicos?
Podia continuar, mas a conclusão está à vista: a direita está em crise e sem projeto político para o país. PSD e CDS acusam de eleitoralismo qualquer Orçamento que melhore as condições de redistribuição da riqueza nacional porque não têm nenhum programa para além da austeridade perpétua. A troika deixou o país, mas a direita ainda não fez o seu luto. O projeto da direita resume-se ao verbo “cortar” e ao mantra do “vivemos acima das nossas possibilidades”. Por isso, esperavam o diabo em 2016, suspiravam pela pressão europeia em 2017 e desesperam com o desempenho da economia em 2018. Acima de tudo, temem chegar a 2019 com a realidade a provar que não era inevitável que os nossos filhos tivessem uma vida pior do que a nossa.
Mas há outras contas a fazer, particularmente na subserviência do PS às metas europeias de défice. É aqui que Pacheco Pereira tem razão quando nos diz manietados por Bruxelas e pela Comissão Europeia. Este é o Orçamento de Bruxelas na parte em que o PS rejeitou libertar o país do peso da dívida e dos tratados que sufocam o Estado social e a economia. Mas há uma parte do Orçamento que resiste e afronta a burocracia europeia quando aumenta o salário mínimo nacional, reduz o preço da eletricidade, descongela carreiras, aumenta pensões, reduz o valor das propinas ou apoia desempregados de longa duração. No fundo, a parte em que o PS é obrigado a negociar e a ceder à esquerda.
O caminho feito desde 2015 demonstra que é possível redistribuir a riqueza, recuperar rendimentos do trabalho e combater a pobreza. No entanto, como já foi identificado, há fragilidades estruturais que se mantêm. A começar pela recuperação urgente dos serviços públicos. A obsessão do PS pelas regras europeias e as suas metas de défice travaram o investimento público que se afigura necessário em setores-chave como a saúde, os transportes públicos ou a educação. Mas, olhando para o saldo final, a atual solução política resgatou a confiança no futuro, no progresso e isso não é coisa pouca. Em parte, isso explica o insucesso da extrema-direita no nosso país. Quando há esperança no futuro e espaço para o progresso social, a insegurança, a instabilidade e o medo recuam — o caldo de onde se faz o biótopo do radicalismo de direita.
No último Orçamento da legislatura há a tentação de nomear “quem teve as vitórias políticas mais importantes”. Para mim, a resposta é clara: foi o povo português. Que teve a coragem de não ceder a chantagens. Mostrou que todos os votos são úteis e que podem fazer a diferença na definição das políticas públicas. Provou-se que a pluralidade traz mais benefícios do que qualquer maioria absoluta. Uma lição que deve ser inscrita na história do país.
Não há um só português, independentemente das suas opções partidárias, que não reconheça o enorme talento político que António Costa transporta consigo. Não é fácil encontrar alguém que tenha uma estrela tão presente como a que escolheu Costa. Costa sabe o que são derrotas. Isso aconteceu na Juventude Socialista, na Federação do PS de Lisboa, na Câmara de Loures, nas eleições legislativas de 2015. Também sabe o que são vitórias piquenas, como a primeira de Lisboa. Acontece que de todas saiu mais forte e num outro patamar de reconhecimento. Não se importariam, os mais atentos estudiosos da psicologia política, de saber o que leva Costa a este biorritmo de guerras perdidas e de vitórias posteriores amplas, que se afirmam para além do seu espaço natural.
Todos os governos têm os seus altos e baixos. O presente, que nasceu de uma realidade política excêntrica, teve poucos momentos baixos, mesmo que pareça terem existido numerosos. O resultado, depois de três anos de exercício, é muito positivo, ainda mais porque nunca esperado.
Há duas caraterísticas que fazem dele uma “chaimite” invencível. A primeira é a presidencialização da ação política. Ela acontece por decorrência da personalidade de quem o lidera e verifica se pela idiossincrasia dos que o integram. A segunda é a da gestão flexível das áreas governativas e das hierarquias. O que importa é que as coisas corram bem, independentemente de quem as resolve ou trata. A tudo isto soma-se a duplicidade genética do chefe do Governo: disponível para todos; gestor de acordos com todos, limitador dos parceiros menores.
A remodelação que se verificou esta semana quer dizer muito do que espera Costa deste último ano. Claro que espera a aprovação do Orçamento; claro que espera que Centeno continue a garantir o espremer do défice e a redução da dívida; claro que espera que o PS ocupe tudo o que houver para ocupar, transformando-se no único partido capaz de ser governo por agora. ».
Presidente do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, (Pedro Filipe Soares) no Público Edição Digital Porto