Viagens dos deputados fora de controlo
Depois de ter vindo a público que os deputados da Assembleia da República partilhavam as passwords e com isso validavam as presenças nos plenários, vem agora o Tribunal de Contas (TC) alertar para a falta de fiscalização no que respeita às viagens dos deputados.
O TC alerta para riscos de fraude na utilização de subsídios pagos a deputados. Em causa, está um seguro de saúde, alegadamente ilegal, e a falta de controlo às viagens feitas pelos deputados das regiões autónomas, considerando os juízes daquele órgão de soberania que há a possibilidade de terem sido pagas viagens que na verdade não foram realizadas.
Acresce que, para além da falta de controlo das viagens, o TC chama à atenção de que os registos biográficos dos deputados se encontram desatualizados. Entre estes dados estão, por exemplo, os documentos de identificação fora de validade e a informação sobre dependentes, podendo ainda estar inadequada a morada de residência, através da qual se calcula a distância até à AR para definir o valor do subsídio semanal pago para as viagens para o hemiciclo.
A posição do TC foi divulgada pelo jornal "i", o que originou, de imediato, a convocação de uma reunião e líderes extraordinária de emergência convocada por Ferro Rodrigues, na tentativa de «minimizar o impacto público das conclusões» do parecer do TC.
Os juízes do TC querem ainda que o Parlamento cumpra o proposto pela Subcomissão de Ética e reduza o valor fixado para as ajudas de custo das viagens dos deputados da Madeira e dos Açores, entendendo o TC que «deve ser revisto o mecanismo de controlo das viagens e que o valor pago semanalmente aos deputados com residência na Madeira ou nos Açores tenha em conta o subsídio social de mobilidade pago pela Estado, através do qual os cidadãos das ilhas recebem o reembolso do valor pago pelo bilhete de avião».
Como é sabido o regime jurídico do Parlamento prevê que todos os deputados da Madeira e dos Açores recebam, por semana, um subsídio fixo de 500 euros para suportar uma viagem de avião às ilhas, independentemente da sua realização. O que significa que foram pagos 3,1 milhões de euros aos deputados insulares, segundo a auditoria do TC, onde se refere que não há, neste momento, critérios suficientes que permitam aferir se as viagens foram ou não efetuadas.
O Presidente da Assembleia que até há pouco tempo dizia que estava tudo bem e recusava o papel de «polícia dos deputados» vem agora reconhecer que «parece inquestionável a existência de irregularidades», defendendo que «alguns (poucos!!) deputados põem em causa o prestígio da democracia representativa». Ferro Rodrigues quer que até ao final da legislatura entrem em vigor novas regras de pagamento de despesas nas deslocações dos parlamentares. O deputado Jorge Lacão vai coordenar o grupo de trabalho que tem três meses para alterar as regras em vigor.
É óbvio que o parecer do TC só vem confirmar o que há muito se diz sobre os 230 deputados da Nação e as suas mordomias. Aliás, não se entende que na Assembleia da República não vigore um sistema de compensações de despesa idêntico a qualquer outro organismo público. Como em qualquer instituição ou empresa, os deputados só devem ter direito a ajudas de custo mediante a apresentação de comprovativos de despesas, parece-me óbvio.