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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Sex | 30.10.20

Trump ou Biden?

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No próximo dia 3 de novembro, os eleitores americanos decidirão nas urnas quem comandará os destinos dos EUA nos próximos quatro anos. As sondagens nacionais apontam uma clara vantagem para o candidato democrata, Joe Biden, em relação a Donald Trump, mas isso não significa, de forma alguma, que a corrida está ganha.

 

O ex-vice-presidente de Barack Obama têm estado quase sempre à frente do candidato republicano. Mas as sondagens de opinião americanas nem sempre são um bom indicador para prever o resultado da eleição, servindo mais para avaliar o clima entre os eleitores antes da votação, como se provou em 2016.

 

Na última eleição, há 4 anos, a candidata democrata Hillary Clinton liderou sempre as sondagens e obteve quase três milhões de votos a mais que Trump e mesmo assim perdeu o seu lugar na Casa Branca. Isso porque as eleições presidenciais americanas não são decididas apenas pelo voto popular, mas também pelo Colégio Eleitoral.

 

Cada estado possui um determinado número de delegados, de acordo com a sua população. A Califórnia tem o maior número de delegados (55), enquanto Delaware, por exemplo, tem apenas três. No total, são 538 delegados. Para ganhar as eleições presidenciais é necessário obter a maioria no Colégio Eleitoral, ou seja, 270 votos.

 

Portanto, para se ter uma previsão mais credível da disputa à Casa Branca, é necessário efetuar uma análise mais fina das sondagens eleitorais em cada um dos estados americanos. A maioria vota geralmente em um ou outro partido, de acordo com as suas tendências. Enquanto Biden aparece à frente nas sondagens em estados com uma inclinação histórica democrata, como Nova York e Califórnia, Trump tem vantagem em estados como Mississippi e Texas.

 

Biden aparece à frente, por exemplo, nos estados de Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, com cerca de 50% das intenções voto, enquanto Trump não passa de 45%. Recorde-se que Trump precisou vencer nesses três estados para derrotar Hillary Clinton nas últimas eleições.

 

Em Iowa, onde Trump venceu Hillary por quase 10 pontos percentuais há quatro anos, Biden aparece agora à frente nas intenções de voto, o que poderá ser um bom indicador.

 

Porém, tendo em conta o complexo sistema eleitoral americano, as margens de erro e os enviesamentos verificados no sistemas de sondagens nos EUA, este panorama pode não refletir a realidade na próxima terça-feira.

 

Nas últimas eleições presidenciais, em 2016, várias sondagens previam que Hillary Clinton seria a nova Presidente dos Estados Unidos, batendo Donald Trump. O New York Times garantia que Hillary tinha uma probabilidade de 85% de vencer as eleições. Errou redondamente, como foi público e notório. Agora, em 2020, o mesmo jornal atribui uma vantagem de dez pontos percentuais para o candidato democrata.

 

Por isso, a eleição de Joe Biden não são favas contadas, mas esperemos que Trump não seja reeleito, a bem de todos nós. Seria uma boa notícia para o mundo, uma vez que esta eleição têm um impacto global. Não é, por isso, indiferente para ninguém, quem será o próximo presidente dos EUA.

Seg | 26.10.20

Geringonça de direita à vista?

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Os açorianos foram este domingo às urnas para definirem a distribuição dos 57 assentos da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, da qual resultará o próximo governo da Região Autónoma.

 

Os grandes vencedores da noite foram: o PS, que ganhou as eleições, mas falhou o objetivo da maioria absoluta; o Chega que na primeira vez que concorreu nos Açores obteve 5,06% e elegeu dois deputados; a Iniciativa Liberal, que conquista  um deputado e o PAN que também conseguiu alcancar o primeiro deputado nas eleições legislativas regionais nos Açores. A abstenção nas eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores foi de 54,58%, a segunda maior de sempre, mas inferior à taxa de abstenção verificada há quatro anos, segundo dados oficiais.

 

Nas eleições regionais açorianas existe um círculo por cada uma das nove ilhas e um círculo regional de compensação, reunindo este os votos que não forem aproveitados para a eleição de parlamentares nos círculos de ilha. Neste círculo, o BE, o CDS-PP, o CHEGA, a Iniciativa Liberal e o PAN elegeram um deputado cada.

 

A grande derrotada da noite foi a CDU que não conseguiu eleger nenhum deputado.

 

Em resumo: destas eleições emergiu numa acentuada fragmentação do parlamento açoriano que, apesar da saída da CDU, passa a ter nada menos de oito partidos representados, com três novos partidos a entrar nas bancadas do parlamento (Chega, PAN e IL), com dois partidos a conseguir representação parlamentar com menos de 2% dos votos (PAN e IL) e um outro partido (PPM) a alcançar dois deputados (ou seja 3,5%) com menos de 2,5% dois votos. Por fim, mas não menos importante, a impossibilidade de uma coligação maioritária à esquerda, dado que a soma dos deputados do BE não atinge os 29 deputados necessários, nem com o PAN.

 

Poderá estar à vista uma nova geringonça da direita, formada com a conjugação dos deputados do PSD (21), CDS (3), PPM (2), Chega (2) e Iniciativa Liberal (1), totalizando 29 contra os 28 da esquerda, PS (25), BE (2) e PAN (1).  

 

Questionado sobre as possíveis coligações José Manuel Bolieiro, do PSD, admite que estas eleições deixaram um «quadro polivalente» em que tudo pode acontecer, incluindo uma solução de liderança da oposição.

 

Certo é que, com o fim da maioria absoluta do PS nos Açores e a ausência de uma coligação maioritária à esquerda, está tudo em aberto.

Sex | 23.10.20

A novela do Orçamento de Estado

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Rui Rio anunciou esta semana que o PSD vai votar contra a proposta de Orçamento do Estado para 2021. Não lhe restava outra alternativa, depois de António Costa ter dito, perentoriamente, que o seu projeto é com o PC e com o BE e que, no momento em que precisasse do PSD para aprovar o Orçamento, o seu Governo terminava.

 

Como o partido que suporta o governo não tem maioria na Assembleia, o PS tem de conseguir os votos favoráveis dos partidos à sua esquerda para garantir que o documento passe para a especialidade. António Costa já os espicaçou, afirmando que o Orçamento só chumba se o PCP e o BE somarem os seus votos aos votos da direita. Ou seja, seria preciso que as duas maiores bancadas da esquerda alinhassem com a direita no voto contra para que o Orçamento fosse chumbado.

 

O Bloco deixou avisos claros ao governo, garantindo que não terá motivos para viabilizar o Orçamento nos moldes atuais, dramatizando a situação até ao limite. O PCP continua sem explicar concretamente o que pretende, sublinhando que os direitos dos trabalhadores é «um dos aspetos que é absolutamente essencial e um dos critérios que deve ser assumido como prioritário».

 

Neste momento assistimos estupefactos a esta novela do Orçamento do Estado que continua, para já, sem garantias de passar. Com o Bloco inclinado para votar contra e o PCP a falar em ganhos «muito parciais e limitados», o PS faz contas de cabeça para perceber como poderá fazer aprovar o Orçamento para o próximo ano,  mas recusou, em entrevista à TVI, um cenário de crise política em resultado de uma não aprovação do Orçamento do Estado para 2021. «Não viro as costas ao país neste momento de crise e tudo farei para poupar o país a qualquer tipo de crise». Entretanto as negociações continuam.

 

Todas as negociações com vista à aprovação do Orçamento são feitas a pensar obviamente nos proveitos eleitorais de cada partido. No pensamento de quem negoceia está sempre presente a questão de saber o que os partidos poderão receber em troca, no caso, o que ganhariam ou perderiam mais nas intenções de voto.

 

Mas acontece que Portugal está a viver um ano atípico. A par de uma crise sanitária junta-se uma crise económica, sem precedentes. Viver em duodécimos ou caminhar para uma crise política que conduzisse a eleições antecipadas, era tudo o que o país menos precisava neste momento, e seria encarado pelo eleitorado como uma enorme irresponsabilidade, sobretudo tendo em conta que os partidos de esquerda na última legislatura fizeram parte da chamada Geringonça e aprovaram todos os orçamentos. Os portugueses não compreenderiam esta atitude taticista do BE e do PCP e isso provavelmente repercutir-se-ia nas urnas.

 

Apesar de toda esta novela, julgo que o Orçamento vai ser viabilizado, resta saber como e com que alterações à proposta inicial do Governo.

Sex | 16.10.20

Stayaway Covid

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As aplicações de rastreamento de contactos estão a ser usadas, livremente, em vários países como uma ferramenta de combate à COVID-19, ajudando a identificar contactos de risco e a quebrar cadeias de contágio do novo coronavírus. Em Portugal foi desenvolvida a Stayaway Covid que permite  identificar contactos em situações de possível contágio, sendo mais eficaz do que a identificação manual (em que o paciente tem de se lembrar das pessoas que contactou nas últimas duas semanas quando é diagnosticado com COVID-19).

 

Acontece que até agora esta aplicação era de adesão voluntária, mas o Governo quer torná-la indispensável e, para tal, entregou no Parlamento uma lei que a torna obrigatória “em contexto laboral ou equiparado, escolar e académico”, sob pena de aplicação de multas entre os 100 e os 500 euros para os casos de incumprimento – e entre 1000 e 5000 euros para pessoas coletivas, não estando prevista qualquer coima a quem não possua um telemóvel com capacidade para instalar a aplicação.

 

Ora, uma coisa é os cidadãos por sua livre e espontânea vontade recorrer a esta aplicação, coisa diferente é forçar a sua utilização, porque levanta inúmeros problemas de constitucionalidade, de liberdade individual e privacidade dos cidadãos.

 

Assim, várias questões podem ser suscitadas:

 

1)O uso e a portabilidade de telemóvel não são obrigatórios por lei, pelo que a medida perde eficácia;

 

2)A aplicação não corre em boa parte dos equipamentos ainda em utilização. Apesar de a proposta discriminar universos de utilização, importa não esquecer que existem ainda portugueses sem telemóvel, sobretudo dentro da população mais idosa, grupo de risco mais exposto à pandemia e aqueles que importava mais controlar.

 

3)Para que a aplicação funcione, é necessário que a função Bluetooth do telemóvel esteja ativa e que os dados móveis ou wifi estejam ligados (a app precisa de aceder à internet), a fim de que o utilizador possa receber as notificações que permitem aferir se esteve em contacto com uma pessoa infetada com Covid-19. Basta que uma destas condições não se verifique para a aplicação não tenha a eficácia pretendida; 

 

4)À luz da constituição não faz sentido aplicar coimas a quem tenha telemóveis que suportem a aplicação e não a use, e não aplicar a quem não os tem;

 

5)A aplicação tem mecanismos de georreferenciação e aí já estamos a entrar no domínio da proteção de dados e de outra questão mais ampla, a restrição da liberdade individual; 

 

6)Será constitucionalmente aceitável que a Polícia ou seus representantes possam fiscalizar se os portugueses têm ou não a aplicação Stayaway Covid instalada no telemóvel e aplicar multas aos prevaricadores, incorrendo assim num crime de violação de privacidade? E se a pessoa disser simplesmente que não tem telemóvel, é lícito revista-la?

 

Por todos este motivos a proposta tem tudo para ser polémica. As críticas já começaram a fazer ouvir e chegam de todos os sectores, nomeadamente daqueles onde o Governo pretende forçar a sua aplicação. Parece, por isso, prudente a reflexão sobre todas estas questões que constituem uma ameaça grave a direitos individuais fundamentais, constitucionalmente garantidos, e que dificilmente passará pelo crivo do Tribunal Constitucional.          

Qua | 14.10.20

Orçamento de Estado e Cristiano Ronaldo

 

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Ontem foi entregue na Assembleia da República a proposta de Orçamento do Estado para 2021, cuja votação na generalidade está marcada para o próximo dia 28 de outubro.

 

Esta proposta de Orçamento que não tem ainda assegurada a sua viabilização, aponta para uma recuperação da economia portuguesa na ordem dos 5,4%, após uma quebra na ordem dos 8,5% este ano. Para procurar responder a uma exigência da Esquerda, mais concretamente do Bloco, não contempla qualquer verba para injetar no Novo Banco. Em alternativa, será a Caixa Geral de Depósitos, o BCP, o Santander e o BPI a financiarem o fundo de resolução, à margem do Orçamento do Estado.

 

Em matéria de prestações sociais, prevê-se na proposta do Governo um aumento até 10 euros a pagar em agosto para as pensões mais baixas, sendo ainda criado um novo apoio social que terá um custo de cerca de 450 milhões euros. Este novo apoio social deverá abranger 170 mil as pessoas, tendo em vista garantir que os rendimentos dos cidadãos não ficam abaixo dos 502 euros do atual limiar da pobreza, e terá ainda a novidade de abarcar parte dos denominados trabalhadores independentes, podendo ser um dos pontos de negociação com os partidos da oposição, onde ainda não há decisões fechadas.

 

O Governo vai aumentar também o número de vagas gratuitas em creches, passando a estar abrangidas as crianças de famílias até ao 2.º escalão de rendimentos.

 

Por outro lado, estão também previstos o alargamento e a requalificação da rede de equipamentos sociais da rede pública e do setor social e solidário, através da criação de um programa de investimento, "passível de ser financiado através do IRR [Instrumento de Recuperação e Resiliência] ou de outros instrumentos de financiamento comunitário".

 

Neste programa, estão incluídos equipamentos e respostas sociais para os idosos, apoio à infância e para pessoas com deficiência, com o objetivo não só de aumentar o número de vagas, mas também a qualidade das respostas sociais disponíveis.

 

Também para procurar responder às exigências da Esquerda, o Governo promete avançar com a contratação de 261 profissionais para o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e 4200 para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), sendo que os profissionais de saúde que trabalhem em áreas dedicadas à covid-19 vão receber um subsídio extraordinário de risco no valor máximo de 219 euros.

 

Na proposta de Orçamento no Parlamento, prevê-se ainda que o IVA pago pelos consumidores com alojamento, cultura e restauração realizadas durante um trimestre vai poder ser descontado nos consumos realizados nestes mesmos setores durante o trimestre seguinte. Por outro lado, o IVA pago com atividades desportivas e em ginásios vai passar a ser descontado parcialmente no IRS em moldes semelhantes à dedução que atualmente é conferida aos gastos em restaurantes, oficinas, cabeleireiros e veterinários.

 

Quanto à Administração Local refira-se que as freguesias vão dispor de 237 milhões de euros no próximo ano, mais 8,7 milhões de euros do que este ano, e os municípios irão receber 2,3 mil milhões de euros através do Fundo de Equilíbrio Financeiro, mais 180 milhões do que em 2020.

 

Ora tudo isto são matérias importantes que têm a ver com a vida de todos nós e por conseguinte nos devia fazer refletir e nada devia ser mais importante, ontem, na agenda mediática.

 

Mas não foi isso que aconteceu,  as televisões abriram ontem com a notícia, que aliás já todos conheciam, que Cristiano Ronaldo tinha testado positivo para o coronavírus. Por muito que se goste de Cristiano Ronaldo, e eu gosto, acho mesmo que o povo português nunca lhe será suficientemente grato por aquilo que ele tem feito pelo nosso país, nada justifica o alinhamento feito pelas televisões a abrirem com a noticia, com o Presidente da República a dizer que já tinha desejado as melhoras ao capitão da seleção, quando existiram antes mais dois infetados na seleção que não tiveram o mesmo tipo de tratamento.

 

A infeção pelo novo coronavírus do internacional português Cristiano Ronaldo, que neste momento se encontra bem e assintomático, é importante e foi sem dúvida uma das noticias que marcou o dia de ontem, mas não se pode sobrepor a um assunto mais importante do que a apresentação de um documento vital que vai regular a vida dos portugueses no próximo ano.

 

É mesmo esta a sociedade que queremos?

Qui | 08.10.20

O segregacionismo de Joacine

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No twitter Joacine Katar Moreira escreveu que o «feminismo branco é intrinsecamente elitista e racista». Segundo a deputada independente «as mulheres (e homens) brancas também oprimem e apenas questionam partes do sistema do qual são parte importante. A parte que lhes toca». E sublinha que as «feministas brancas» nunca a representaram.

 

O que pretende com isto? Voltar ao tempo da segregação. Brancos para um lado negros para outro? Que Nelson Mandela tanto combateu? Dificilmente alguém conseguiria escrever algo mais racista. Penso que nem feministas brancas, nem de qualquer outra raça ou etnia se revêm neste discurso. Porque quando para além do género discriminamos por raça estamos a acentuar as desigualdades, a estabelecer barreiras quando as deveríamos derrubar. Para uma pessoa que diz que luta contra o racismo esta atitude é altamente racista e segregacionista.

 

Joacine Katar Moreira não só é patética como procura um protagonismo permanente,  vitimizando-se e dizendo um chorrilho de disparates que criam impacto na opinião pública.

 

Cada um tem o direito de dizer ou escrever o que lhe aprouver, até os dislates mais desapropriados, em nome da liberdade de expressão. O que não pode, nem deve é usar o estatuto de deputada para incitar o racismo e o ódio.

 

Muitas feministas brancas votaram certamente no Livre porque acreditavam que estavam a eleger alguém que as representava. Enganaram-se, afinal a deputada Katar Moreira não só não as representa, como é profundamente racista. Mal posso esperar pelas próximas eleições legislativas!