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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Qua | 24.02.21

Sobre as candidaturas independentes

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No final da sessão legislativa passada, PS e PSD aprovaram no Parlamento uma nova lei reguladora da eleição para os órgãos das autarquias. A lei veio tornar ainda mais complicada a apresentação de candidaturas eleitorais fora dos aparelhos partidários, as chamadas candidaturas independentes. 

Esta lei passou despercebida, fruto da pandemia e do verão, mas agora, a oito meses das eleições autárquicas, o assunto veio de novo à baila. Os representantes dos movimentos independentes queixam-se de que a lei em vigor os obriga a recolher um grande número de assinaturas para concorrer à Câmara e à Assembleia Municipal, e contra o facto de, para se poderem candidatar a cada uma das freguesias, estarem impedidos de usar os mesmos nomes, símbolos e siglas em cada uma das candidaturas. 

Depois de começarem a surgir fortes críticas, PS e PSD já admitem alterações à Lei. A líder do grupo parlamentar do Partido Socialista diz que a lei aprovada no ano passado "é penalizadora da vida democrática". O PS vai por isso apresentar uma alteração para corrigir a lei. David Justino, do PSD, diz que o partido já está a analisar o documento. 

A Provedora de Justiça solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização da lei com um “pedido de declaração de inconstitucionalidade” de dois pontos de um dos artigos alterados na lei eleitoral autárquica. Maria Lúcia Amaral considera que com as alterações feitas à lei eleitoral autárquica está em causa a “violação dos direitos dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país”, sendo este um direito previsto na Constituição, e que, tendo em conta a justificação da Provedora, não está a ser respeitado. “O direito de os cidadãos apresentarem, diretamente — sem intermediação dos partidos políticos –, candidatura às eleições dos órgãos das autarquias locais é, na sua essência um direito fundamental, determinado a nível constitucional”, refere o documento da Procuradora da Justiça, esclarecendo que “não pode o legislador introduzir alterações de natureza substancial, que injustificadamente venham restringir um direito fundamental de participação política” admite a Provedora.

Apresentar uma candidatura, independente dos partidos, não é tarefa fácil, porque as regras do jogo são desiguais. Os partidos continuam a levar vantagem no que toca a benefícios, nomeadamente ao nível fiscal. Depois, para além de ser necessário enorme dispobilidade financeira e toda uma logística processual, um candidato independente não tem manifestamente a mesma igualdade de oportunidades nas condições da propaganda eleitoral para fazer passar a sua mensagem. Os media, designadamente televisões, rádios e jornais que fazem a cobertura da campanha eleitoral, não dão um tratamento jornalístico igual a todas as candidaturas, dando sempre primazia às dos partidos políticos e às mais mediáticas.

Tem-se verificado um divórcio cada vez maior entre os cidadãos e a política, bem como um descontentamento e uma desconfiança crescentes de muitos cidadãos relativamente aos partidos, traduzidos em percentagens de abstenções gigantescas nas várias eleições. Os eleitores não votam porque: não confiam no sistema, nem nos partidos; sentem-se incapazes de escrutinar ou sequer estabelecer uma ligação direta com os seus representantes; não identificam projetos políticos com que se identifiquem; percebem que o seu voto não conta; e há muita gente que encara a abstenção como uma manifestação de protesto.

As candidaturas independentes, constitucionalmente possiveis desde 1997, têm vindo a aumentar e mostram o quão importante é pensar numa participação política para lá da lógica da partidocracia que traga ideias novas para a democracia e para o sistema partidário, cuja saúde já está fortemente abalada e com os efeitos preocupantes que todos conhecemos, nomeadamente a emergência de grupos antissistema, radicais, populistas, xenófobas e racistas.

É urgente que exista uma intervenção política cada vez maior para além dos partidos. A reforma do sistema partidário e a mobilização dos cidadãos na vida democrática só poderá ser conseguida através da construção de outras formas de participação cívica, como os movimentos de cidadãos independentes. Mais importante do que pensar em adiar as eleições autárquicas é necessárias uma séria reflexão sobre estas questões.

Seg | 22.02.21

Padrão dos Descobrimentos

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Ascenso Simões, deputado do PS, num artigo de opinião no Público, sugere que tal como os florões na Praça do Império, também o Padrão dos Descobrimentos poderia ser destruído.

“Os florões são, como bem demonstra Francisco Bethencourt em História da Expansão Portuguesa, uma invenção tardia semelhante ao mamarracho do Padrão dos Descobrimentos, são a eleição da história privativa que o Estado Novo fabricou, não têm qualquer sentido no tempo de hoje por não serem elemento arquitetónico relevante, por não caberem na construção de uma cidade que se quer inovadora e aberta a todas as sociedades e origens. Mesmo o Padrão, num país respeitável, devia ter sido destruído”, escreveu Ascenso Simões num texto onde defende que o “Salazarismo não morreu”.

O texto que esteve na origem da polémica surgiu com referências ao 25 de abril onde Ascenso Simões até admitia que “devia ter havido sangue, devia ter havido mortos”. Posteriormente, ao Observador esclareceu que pretendia dizer “cortes verdadeiros do ponto de vista da política, da transformação da sociedade”.

Quanto ao Padrão dos Descobrimentos, segundo Ascenso Simões, o conceito aplicado deveria ser o mesmo que se fizera com as estátuas, ou quando se mudou o nome da Ponte Salazar para Ponte 25 de Abril, deste modo, também se poderia retirar ou destruir o Padrão dos Descobrimentos.

As críticas não tardaram. João Soares, ex-ministro, ex-deputado e ex-presidente da Câmara de Lisboa também se pronunciou no Facebook, sem, contudo, se referir concretamente ao deputado e camarada de partido: “Ver agora por aí escrito que os socialistas querem demolir o Padrão dos Descobrimentos, sendo eu indefetível socialista PS, entristece-me. Dá a medida da perfídia e da estupidez que por aí anda”.

Também o Presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos comentou a surpreendente sugestão de Ascenso Simões: “os últimos dias têm sido pródigos em insultos da esquerda e da extrema esquerda à nossa História. Nada de novo vindo de quem sempre quis rescrevê-la. Mas há insultos que para além de disparatados são graves: ver um deputado do PS, partido que suporta o Governo, a defender a demolição do Padrão dos Descobrimentos é o cúmulo da falta de noção. Isto só daria para “Os Apanhados”!”, afirmou o presidente democrata-cristão.

Portugal tem um passado glorioso de que se deve orgulhar. A história das descobertas está marcada para sempre na cultura de Portugal. Para imortalizar a memória dos tempos que marcaram a história da expansão marítima portuguesa e da presença lusa no mundo inteiro, foi construído um monumento que exalta as descobertas e conquistas: o Padrão dos Descobrimentos concebido para a Exposição do Mundo Português realizada em 1940. O mote era “o sentido de partida contendo a gesta portuguesa rasgando o mar”. Nessa altura foi edificada uma construção escultórica efémera, moldada em gesso e estopa, com armação de madeira e ferro e uma leve estrutura em ferro e cimento. Os autores foram o arquiteto Cottinelli Telmo e o escultor Leopoldo de Almeida.

20 anos depois, em 1960, para celebrar os 500 anos da morte do Infante D. Henrique, o grande impulsionador da epopeia dos descobrimentos, o Padrão foi reconstruído duma forma definitiva – em betão, pedra e calcário.

Depois disso, já nos anos 80, os seus interiores são remodelados para se inaugurar enquanto Centro Cultural, com salas de exposições, auditório e um miradouro.

Este monumento nacional relativamente recente acabaria por se tornar num símbolo da cidade de Lisboa e num dos pontos de maior interesse turístico.

Na verdade, quem passe ou visite o Padrão dos Descobrimentos e dê de caras com aquela caravela onde estão esculpidos alguns dos maiores navegadores e personalidades importantes da época, como Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e o poeta Luís de Camões e em cujo topo do monumento se destaca a imagem do grande impulsionador das descobertas, o Infante D. Henrique, não consegue estabelecer uma associação ao Estado Novo, sendo de imediato transportado para a Era dos Descobrimentos Portugueses.

Não passa pela cabeça de ninguém, nem mesmo de mentes mais rebuscadas, a não ser do deputado Ascenso Simões, mandar destruir tão grandiosa obra. Haja bom senso!

Qua | 17.02.21

Marcelino da Mata

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Tenente-Coronel do Exército Português, natural da Guiné-Bissau, morreu há uns dias, no Hospital Amadora-Sintra, aos 80 anos, vítima de Covid-19. No no seu funeral marcaram presença o Chefe do Estado-Maior do Exército, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

A maior parte dos portugueses, onde me incluo, não fazia a mais pálida ideia de quem tinha sido Marcelino da Mata, só tomando conhecimento da sua existência, quando uma certa direita decidiu homenageá-lo, alegando que tinha sido o militar mais condecorado de sempre do Exército Português, tendo o CDS inclusive pedido para que se decretasse luto nacional e que o militar tivesse honras de Estado na despedida.

Este argumento não é corroborado por algumas franjas de setores mais à esquerda, como Fernando Rosas que referiu que “Marcelino da Mata traiu a causa de independência do seu próprio país" ou de Vasco Lourenço que escreve no Público que “a promoção de Marcelino da Mata, a existir, constituirá uma enorme vergonha para o Portugal de abril”.

Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo e ex-assessor parlamentar do BE, chamou-lhe ‘sanguinário’ e ‘criminoso de guerra’ no twitter, alegando que o serviço prestado nas antigas colónias por este militar não pode ser merecedor de respeito e, muito menos, de honras em democracia, criticando, ainda o facto de o CDS-PP ter apresentado no parlamento um voto de pesar pela sua morte.

Na sequência da publicação de Mamadou Ba, o Chega aproveitou a deixa para exigir a sua saída imediata do grupo de trabalho para a Prevenção e o Combate ao Racismo e à Discriminação, criado pelo Governo em janeiro, por ter insultado a memória de Marcelino da Mata, garantindo que vai apresentar queixa do dirigente do SOS Racismo à PGR, “por ofender gravemente a memória de pessoa falecida”, um crime punível com seis meses de prisão.

Entretanto quase 15.000 pessoas aderiram, desde domingo, a uma petição pública virtual que exige a deportação do ativista antirracismo, devido a comentários depreciativos sobre o falecido e condecorado militar.

Não sei se Marcelino Mata foi herói ou criminoso enquanto combatente das antigas colónias, não me cabe a mim julgar, mas não deixa de ser curioso verificar que os mesmos que elogiam Marcelino da Mata são os mesmos que mandam para a "terra deles" os negros nascidos em Portugal.

A forma de eleger heróis depende naturalmente da opinião e valores de cada um e, por conseguinte, é sempre subjetiva. No caso em apreço parece-me impregnada de um certo saudosismo colonial, acompanhada da ideia de que não há racismo em Portugal. No fundo, é destes heróis que a direita precisa para continuar a alimentar a sua retórica verbal nas redes sociais e no espaço mediático.

Ter | 09.02.21

Bacalhau à Brás

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Ingredientes:

- Azeite

- Cebola

- Alho Francês

- Alho

- Louro

- Bacalhau

- Batata palha

- 2 Ovos

- 2 Gemas

- Salsa

- Curcuma

- Azeitonas

 Preparação:

Numa frigideira ou num tacho leve ao lume azeite, uma cebola cortada em meias luas bem finas, um alho francês cortado às rodelas, 2 dentes de alho picados e uma folha de louro. Deixe refogar até a cebola ficar translucida e o alho fracês ficar macio.

Retire a folha de louro e acrescente  200 grs. de bacalhau desfiado e vá cozinhando.

Junte a mesma quantidade de batata palha, tempere com pimenta, um pouco de curcuma e misture. Com o lume apagado, junte as gemas e os ovos batidos. Não necessita de sal porque o bacalhau e as batatas já tem suficiente teor de sal.

Acenda de novo o lume, baixo, envolva a salsa picada, vá mexendo ligeiramente para ligar tudo.

Sirva de imediato com azeitonas e uma boa salada de alface.

Qui | 04.02.21

Entrevista de Isabel do Carmo

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A médica Isabel do Carmo esteve 10 dias internada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, depois te ter ficado infetada com o SARS-CoV-2, ao ter contraído o vírus no Natal, quando se reuniu com familiares.

Depois de um artigo que assinou no jornal Público, com o título “Notícias do Túnel”, onde  classificou de “milagre” aquilo que os profissionais de saúde fazem com as recursos que têm, ontem deu uma entrevista a Vítor Gonçalves, na RTP 3, explicando com uma clareza e tranquilidade notáveis a experiência que vivenciou naquele hospital quando precisou de ser internada por estar acometida com uma infeção respiratória aguda grave nos dois pulmões.

Constatou, ainda, que,  pese embora o "caos" muitas vezes falado nos meios de comunicação social, as coisas no hospital correm de forma muito bem organizada. Cada profissional sabe exatamente qual a sua função, o equipamento que tem que manusear, o registo necessário a efetuar, de forma a tratar cada doente, com “serenidade”, “eficácia” e “competência” que a situação exige, não obstante todo o cansaço físico e psicológico acumulado ao longo deste onze meses.

Um testemunho impressionante, na primeira pessoa, de uma doente infetada com Covid, dos sintomas e dos cuidados que foram prestados no Hospital de Santa Maria.

Um retrato humanista do SNS e de uma instituição onde todos os dias os profissionais de saúde lutam desesperadamente para salvar vidas. 

Imperdível!

Qua | 03.02.21

MÁSCARAS FFP2

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Não se sei se já repararam, mas ultimamente tem-se verificado um aumento notório do uso de máscaras FFP2.

Julgo que isto se explica pela notícia de que a Alemanha e a Áustria proibiram o uso de máscaras artesanais nos espaços públicos. Á luz das novas variantes do SARS-CoV-2, potencialmente mais contagiosas, alguns Estados-membros tornaram obrigatória a utilização de máscaras cirúrgicas ou FFP2 em locais como transportes públicos e lojas, proibindo as máscaras comunitárias, fabricadas de forma artesanal.

Em Portugal, o que se vê por toda a parte são as chamadas máscaras comunitárias, fabricadas pela nossa indústria têxtil, com certificação e com uma capacidade de retenção de cerca de 70%, bem como as máscaras cirúrgicas que retêm cerca de 90% do vírus e que na opinião dos especialistas são ambas seguras. Mas atenção, as FFP2 só podem ser usadas, no máximo, durante 8 horas, sendo que a cirúrgica é aconselhada a sua utilização entre 4 a 6 horas. Ambas não são reutilizáveis. Usá-las sem respeito por estas condições é totalmente ineficaz e perigoso.

As FFP2 (ou NP95 na nomenclatura americana) retêm 95% e devem ser usadas, maioritariamente, pelo pessoal de saúde em contacto próximo com doentes. O seu uso generalizado poderá ter como consequência a escassez de máscaras, acabando por faltar a quem delas verdadeiramente necessite.

A DGS devia ter esclarecido esta situação, mas limitou-se a dizer que aguardava informações do ECDC (Centro Europeu de Controlo de Doenças).

Durante uma conferência de imprensa em Bruxelas, a comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, adiantou que o executivo comunitário abordou a questão com o ECDC, cujos especialistas consideram que os dados científicos disponíveis de momento não apontam para a necessidade de um uso generalizado das máscaras FFP2, aconselhadas para os profissionais de saúde.

Stella Kyriakides, que surgiu na conferência de imprensa na sede da Comissão Europeia precisamente com uma máscara FFP2, “por coincidência”, sublinhou que o importante é “continuar a encorajar todas as pessoas a usarem máscara, a usarem-na corretamente, e a manter o distanciamento social”.

“Mas, para já, o ECDC não apoia o uso de máscara FFP2 pela comunidade” em geral, reforçou.

Assim sendo, também não me parece curial vermos, nos últimos dias, os membros do governo a usarem máscaras FFP2.

Admiram-se de que, depois, toda a gente corra às farmácias a comprá-las?