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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Qui | 29.04.21

Agressão a repórter de imagem da TVI

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Após o jogo entre o Moreirense e o Futebol Clube do Porto que terminou empatado a uma bola, com o árbitro Hugo Miguel a anular, e bem, o golo que daria a vitória aos azuis e brancos já no período de descontos, e o VAR a fazer vista grossa a uma grande penalidade, houve confrontos no relvado que envolveram Sérgio Conceição, o médico, o assessor do FC Porto e alguns jogadores

No parque de estacionamento do recinto desportivo do clube de Moreira de Cónegos um repórter de imagem da TVI foi agredido por um empresário, Pedro Pinho, com fortes ligações ao clube azul e branco, quando filmava em direto o presidente do FC Porto à conversa com alguns jornalistas. Tal agressão configura um crime público, de ofensa à integridade física qualificado, punível até aos quatro anos de prisão.

A GNR abriu um processo de averiguação e a Procuradoria-Geral da República confirmou que já foi instaurado um inquérito às agressões ao repórter da TVI.

O Ministro da Educação avisou tais atos têm que ter consequências. Também a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga e o sindicato de jornalistas repudiaram o sucedido.

Em comunicado, a direção de informação da TVI diz repudiar “veementemente a agressão que o seu repórter de imagem Francisco Ferreira sofreu” depois do jogo entre o Moreirense e o FC Porto, mas por outro lado, tentou colocar 'água na fervura', afirmando pela voz do seu diretor de informação da TVI que Pinto da Costa lhe telefonara a esclarecer que o agressor não tinha nada a ver com o Porto, fora convidado do Moreirense, para assistir ao jogo, ainda que estivesse incluído na comitiva portista. Victor Pinto, outro jornalista da TVI que também estava em reportagem no Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas, revelou mais tarde que o autor da agressão, mostrou-se "arrependido e que até queria ressarcir a TVI devido aos prejuízos".

Pinto da Costa presenciou tudo, já que ocorreu mesmo à sua frente, perto do autocarro portista. As imagens mostram como Pinto da Costa ficou de mãos nos bolsos enquanto Pedro Pinho agredia o repórter de imagem. Porém, ontem, em entrevista ao Porto Canal, afirmou que não viu nenhuma agressão ao repórter da TVI: “O que vi na altura foi ele a querer tirar a máquina e a tapá-la para não deixar filmar. Não vi nenhuma agressão. Mas qualquer ato de violência, rejeito, censuro e não posso tolerar”, continuou. 

Não me surpreende esta postura do presidente do Porto, lembro-me bem do processo "Apito Dourado" e tudo o que envolveu. O que me deixa verdadeiramente estupefacta é um país e sobretudo as entidades ligadas ao desporto normalizarem e validarem as atitudes marginais de um dirigente como Pinto da Costa há quase quarenta anos.

Recordo as palavras do presidente Frederico Varandas referindo-se a Pinto da Costa: "pode ter um grande sentido de humor, ser uma pessoa acima da média, culturalmente e um currículo com muitas vitórias, mas um bandido será sempre um bandido e no final um bandido será sempre recordado como um bandido. Quando ele se retirar, ou for obrigado a retirar-se, prestará um grande serviço ao futebol português e contribuirá para que o país seja de primeiro Mundo".

Qua | 21.04.21

Superliga Europeia

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Foi anunciada há 3 dias a criação da Superliga europeia de futebol. A intenção será criar uma competição de elite, rival da Liga dos Campeões, com 12 dos principais clubes de Inglaterra, Espanha e Itália que prevê tetos salariais para os jogadores, limites de gastos dos clubes e distribuição de lucros, num modelo semelhante ao das grandes ligas profissionais norte-americanas. Os 15 clubes participantes repartiriam entre si 32,5% dos proveitos comerciais, provenientes maioritariamente dos direitos televisivos e dos patrocínios, no valor total de quatro mil milhões de euros (o dobro do encaixe que atualmente obtêm da UEFA). Os outros cinco emblemas convidados teriam direito a verbas avultadas, mas ainda assim abaixo do valor da dos clubes fundadores.

Antes da oficialização da Superliga e perante os rumores que davam conta do anúncio da sua criação, a UEFA e a FIFA reagiram, ameaçando retirar aos jogadores dos clubes que participem nessa competição a possibilidade de representarem as suas seleções e prometeu fazer tudo que estivesse ao seu alcance para travar o projeto de alguns clubes numa altura em que o futebol, mais do que nunca, necessita de estar unido e solidário.

O anúncio da Superliga Europeia gerou reações quase imediatas de diversas entidades ligadas ao futebol. A Federação alemã reagiu prontamente, defendendo que os emblemas germânicos devem ficar à margem desta nova competição. Destaque ainda para as declarações de Emmanuel Macron, presidente francês, que se congratulou pela "recusa dos clubes franceses em participar num projeto ameaçador da solidariedade e do mérito desportivo" e "protegerá a integridade das competições das federações, a nível interno e europeu".

Em Inglaterra, país onde nasceu o futebol, foi onde as críticas mais subiram de tom. Boris Johnson declarou que iria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para impedir a criação da Superliga europeia de futebol. Também adeptos, jogadores e grandes figuras do futebol insurgiram-se contra a criação de uma nova competição fechada. Os adeptos do futebol saíram à rua e os agestes desportivos falaram, alto e a bom som,  sobre a modalidade que amam e que não querem ver adulterada.

O futebol inglês tem uma tradição, de que se orgulha, baseada na solidariedade, no mérito e no fair-play, valores ausentes desta Superliga, interessada apenas em princípios economicistas. O futebol sem sonho, sem paixão, sem emoção não terá futuro. Foi graças a este espírito que pequenos clubes, como o Leicester em 2016, por mérito próprio, ganhou a Premier League. Esta é a verdadeira essência do futebol.

Ontem, ao fim da tarde, foi anunciado que Manchester City e Chelsea manifestavam  a vontade de quebrar o acordo. Percebe-se. Estes dois clubes estão ainda a disputar a Liga dos Campeões e poderiam vir a ser penalizados por pertencerem à Superliga Europeia.

Mais tarde United, Liverpool, Arsenal, Tottenham e Chelsea também quebraram o acordo e já hoje ficamos a saber que Atlético de Madrid e Inter também sairam, o que agora deixa Real Madrid, Barcelona, Juventus e Milan como os únicos clubes que continuam no projeto. A retirada desres clubes fará certamente ruir o projeto da Superliga Europeia e ainda bem.

A ideia de construir uma Superliga de elite, fechada e direcionada exclusivamente para o lucro, contribuiria para a transformação do futebol em monopólios, valores contrários à meritocracia, à defesa da dignidade social e da igualdade de oportunidades.

Contudo, esta ideia não é nova e não começou agora. A UEFA, a FIFA e as Ligas nacionais já incorporam muitos destes valores, e deverão retirar daqui as devidas ilações.

Seria este um excelente momento para os organismos europeus, os governos e as instituições desportivas fazerem o futebol regressar à sua essência: com mais adeptos, com mais formação, com mais fair-play e mais regulação.

Ontem, na RTP, Poiares Maduro admitia que a Superliga europeia vem colocar em causa o “monopólio de organização das competições, que está nas mãos da FIFA e da UEFA”, e os “princípios de modelo desportivo baseados na lógica de que as competições não são fechadas, e do acesso baseado no mérito”.

No entanto, o professor universitário entende que o atual modelo da Liga dos Campeões já está a colocar em causa alguns desses princípios, defendendo a necessidade de “reformar e intervir” criando legislação para um setor sem supervisão.

Na opinião de Miguel Poiares Madura era importante legislar, a fim de regular uma atividade que representa 3,7% do PIB europeu e seria uma boa oportunidade para Portugal aproveitar o momento em que assume a Presidência da União Europeia para o por em prática.

Sab | 10.04.21

As decisões instrutórias do juiz Ivo Rosa

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Ontem assistimos atónitos, ao longo de mais de três horas, o juiz Ivo Rosa a ler uma súmula da decisão instrutória (6.700 páginas do despacho de pronúncia) desmontando peça por peça, a acusação do Ministério Público contra Sócrates, Ricardo Salgado, Santos Silva e outros envolvidos no processo Operação Marquês.

Ficou-se então a saber que José Sócrates, ex-primeiro-ministro e o principal arguido no processo, não vai a julgamento por qualquer crime de corrupção de que era acusado pelo Ministério Público ligados ao Grupo Espírito Santo, ao Grupo Lena, TGV e a Vale do Lobo, não apenas porque alguns crimes já teriam prescrito mesmo antes do ex-primeiro-ministro ser detido e constituído arguido, mas porque Ivo Rosa entende que a corrupção só pode ser imputada quando há prova direta.

O juiz fez mesmo questão de dizer que, ainda que mesmo que os crimes não estivessem prescritos, não há, na sua perspetiva, qualquer indício minimamente consistente de prática dos três crimes de corrupção imputados a Sócrates. O que fez com que os alegados corruptores ativos do ex-primeiro-ministro não fossem pronunciados.

Durante a leitura da decisão instrutória, várias foram as vezes que o juiz Ivo Rosa considerou que a acusação do DCIAP, liderada pelo procurador Rosário Teixeira, mostrava "falta de coerência", era uma "mera especulação", uma fantasia e apresentava uma "total falta de razoabilidade nos argumentos, sem apontar factos concretos", em relação à imputação de muitos dos 189 crimes de que os arguidos eram acusados.

O Ministério Público acusou José Sócrates de fraude fiscal, por ter omitido ao Fisco 34 milhões de euros das alegadas práticas dos crimes de corrupção. Porém, Ivo Rosa considerou que se Sócrates fosse julgado por este crime estaria a "autoincriminar-se", uma vez que tinha de identificar a verdadeira origem do dinheiro à Autoridade Tributária. Como esse dinheiro era proveniente de corrupção, não estava obrigado a declarar esses mesmos rendimentos ao Estado. Ficamos a saber que, de acordo com o juiz de instrução, Ivo Rosa, para existir fraude Fiscal, os rendimentos devem ser legais.

Contas feitas, de 28 arguidos, apenas cinco vão a julgamento. Sócrates e Santos Silva responderão por branqueamento de capitais falsificação de documentos. Ricardo Salgado será julgado por três crimes de abuso de confiança, Armando Vara por um crime de branqueamento e João Perna por um crime de detenção de arma proibida. Ninguém vai a julgamento por corrupção.

Estava em causa neste processo não apenas a condenação de Sócrates, de Ricardo Salgado e de todos os envolvidos na Operação Marques, mas também também o reforço da confiança por parte dos cidadãos na Justiça e na República, evidenciando que também os ricos e poderosos são condenados pela prática de crimes e não apenas os meros cidadãos que são multados pela GNR apenas por comerem gomas ou beber café junto a um estabelecimento comercial , durante o período de confinamento.

As decisões do juiz Ivo Rosa, conhecidas ontem, no processo Operação Marquês representam uma derrota do Ministério Público, que viu a sua acusação arrasada, mas fundamentalmente, um profundo descrédito para Justiça portuguesa.

Mas atenção, é bom lembrar que as decisões do juiz Ivo Rosa não foram sentenças. O Ministério Público pediu um prazo de 120 dias e vai recorrer para a Relação. Depois a Relação terá outros 120 dias para decidir, provavelmente. Isto está muito longe de estar concluído.

Aguardemos todos, com serenidade e racionalidade, pelo desenvolvimento do processo, acreditando que o Ministério Público, no recurso para a Relação, consiga reverter as decisões instrutórias, fazer justiça e assim  recuperar a fé e a confiança dos portugueses no nosso sistema jurídico, tão abalada nos últimos tempos.

Sex | 02.04.21

Atropelos à Constituição

 

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A Constituição da República Portuguesa, nascida em 1976, faz hoje 45 anos e é um marco fundamental no reconhecimento de direitos e liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais pelos quais ainda hoje nos batemos.

Marcelo Rebelo de Sousa, assinalou no site da Presidência da República os 45 anos de vida da Constituição, afirmando que foi um “marco histórico, consagrando o Estado de Direito e a Democracia Política, mas também a Democracia Económica e Social.”

Ora, como se sabe, nos últimos dias, o texto constitucional esteve no centro do debate político, a propósito de três diplomas aprovados no parlamento e promulgados pelo Presidente da República que o Governo sustenta que violam a chamada lei-travão inscrita na Constituição da República Portuguesa.

Para Marcelo, os três diplomas implicam aumentos de despesas ou reduções de receitas, mas não têm montantes definidos à partida, porque estão dependentes de circunstâncias que a evolução pandémica determinar. Ou seja, o Presidente considera, numa interpretação subjetiva e “criativa”, de que a norma travão pode não ser violada porque não se sabe se a despesa prevista no orçamento vai precisar de ser toda executada.

A lei-travão é um instrumento importante da Constituição que impede a aprovação de propostas que alterem o equilíbrio entre despesas e receitas previstas no Orçamento de Estado. Ora, o facto de os montantes de despesa serem à partida desconhecidos, viola de qualquer forma a norma-travão, interpretação esta que aliás todos os constitucionalistas reconhecem, porque não salvaguarda o essencial da lei-travão, que consiste em proibir a AR de aprovar modificações orçamentais com impacto em mais despesa ou menos receita. A letra da Lei Fundamental é clara e não dá azo a dúvidas.

O Presidente da República na análise que fez dos diplomas acabou por subverter a posição jurídica e vincar a posição política (ainda que inconstitucional). Mas, no atual sistema político o Presidente não tem poderes executivos, que é competência exclusiva do Governo, o qual, como se sabe, responde politicamente perante o Parlamento e perante os eleitores nas próximas eleições legislativas.

Ao abrigo da lei de separação de poderes, o Presidente da República não pode fazer prevalecer as suas próprias opiniões políticas nas decisões institucionais e Marcelo Rebelo de Sousa que é um ilustre constitucionalista sabe isso melhor que ninguém. Nem há um mês segurou o exemplar da Constituição e jurou, pela sua honra, defender, cumprir e fazer cumprir a Lei Fundamental.

Entretanto o primeiro-ministro já anunciou que o Governo vai enviar para o Tribunal Constitucional os três diplomas aprovados pela oposição que alargam os apoios sociais e fez bem. É grave que se abra um precedente e que no futuro os partidos possam alterar o orçamento a seu bel prazer, fazendo aprovar medidas que mais lhes convenham num determinado contexto político.