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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Qui | 28.10.21

Um chumbo anunciado

 

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O orçamento para 2022 foi chumbado na Assembleia da República. As negociações do PS com o BE e PCP nos últimos tempos indicavam que o desfecho seria este, depois destes partidos terem colocado ao partido do governo exigências que sabiam inaceitáveis de antemão.

Havendo orçamento nos termos propostos pelo PCP e BE, teríamos seguramente mais despesa pública, maior défice, desrespeitando a consolidação das contas públicas, a competitividade da economia, sem contar com as novas alterações que a votação na especialidade poderia acarretar.

Bem o PAN em todo este processo, mostrando ser um partido construtivo e responsável.  A líder do PAN, Inês Sousa Real, acusou mesmo alguns partidos de quererem utilizar o debate sobre o Orçamento do Estado para 2022 "para construir muros", afirmou preferir "construir pontes" e defendeu que os "interesses partidários não podem estar à frente dos interesses do país".

Percebe-se, em parte, a atitude dos comunistas. O PCP está convencido que saiu prejudicado por fazer parte da Geringonça. Certo é que nestes seis anos perderam votos em várias eleições. Acresce que o PCP sempre foi um partido de protesto e, nessa medida, terá sempre maior protagonismo na oposição, combatendo um governo de direita com o forte poder dos sindicatos afetos à CGTP.

Assim sendo, os comunistas terão pensando: perdidos por cem, perdidos por mil. Poderemos até perder votos nas próximas eleições, mas a tendência será recuperar eleitores no futuro e regressar à sua luta política e à nossa essência.

Julgo, contudo, que esta é uma análise é algo superficial, porque o declínio eleitoral do PCP deve-se a um conjunto de múltiplos fatores, como o envelhecimento de muitos dos seus eleitores, a falta de renovação dos seus quadros, as mudanças sociológicas profundas sentidas no país e no mundo, entre outras. O PCP ter-se-á que renovar, a começar pelo seu próprio líder, se quiser continuar a ter espaço no espetro político.

Já compreendo menos a atitude do Bloco de Esquerda. O BE não tem sindicatos e o seu poder local é residual. O que poderá esperar então quem vota no Bloco de Esquerda? Muito pouco! O BE vai chegar a estas eventuais eleições antecipadas claramente em perda, depois de um péssimo resultado nas europeias e autárquicas. Não tendo eleitores fidelizados como o PCP, apresenta-se a votos fragilizado e passará o tempo a ser acusado de estar a estender uma passadeira vermelha à direita.

Ao PSD e o CDS esta crise também surge na pior altura – os dois disputam eleições internas –, mas que em boa medida poderão ser clarificadoras. Rui Rio tem a oportunidade se sair vencedor, formalizar acordos como o PS com vista à formação de um bloco central, ou com os partidos à sua direita. Paulo Rangel poderá fazer aliança com CDS e IL em alternativa clara ao PS, o que será sempre insuficiente para chegar ao poder, a menos que o PS saia muito fragilizado desta crise.

Quanto ao CDS e na hipótese de se apresentar sozinho a eleições, veremos se vale quando as sondagens indiciam, cerca de 2%.

O Chega seria o partido que mais ganharia com as eleições. Todas as sondagens apontam para o seu crescimento,  perfilando-se como a terceira força política de charneira, logo a seguir ao PS e ao PSD. Com Rio ou com Rangel, o Chega não deverá governar. Mas terá força mais do que suficiente para influenciar fortemente as decisões.

Finalmente uma palavra para Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República não esteve bem em todo este processo. Precipitou-se ao anunciar, antes da votação orçamental na Assembleia da República, uma dissolução parlamentar, criando demasiado ruído que em nada ajudou no processo negocial, já para não falar do facto de ter acordado em receber Rangel em Belém, antes do líder do PSD.