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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Ter | 01.02.22

Rescaldo das legislativas

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António Costa foi o grande vencedor das legislativas 2022. Passou de 1.908.036 de votos para 2.246.483 (ainda faltam os votos da emigração). Desde 2009 que o PS não chegava aos 2 milhões de votos. Pela primeira vez na história venceu todos os círculos eleitorais do continente e conquistou, para já, 117 deputados socialistas, com 41,68% dos votos. Em plena pandemia e após seis anos de governação não deixa de ser um feito notável.

Além da grande e surpreendente vitória do PS em que conquistou a ambicionada maioria absoluta no Parlamento, há outras duas surpresas a assinalar e à direita. Uma delas é a do Chega que se tornou na terceira força política: obteve um total de 7,15% dos votos e conquistou 12 deputados parlamentares. Recorde-se que em 2019 elegeu o primeiro deputado, o próprio líder André Ventura, com 1,29% dos votos.

O outro grande vencedor foi a Iniciativa Liberal de João Cotrim Figueiredo. Agora é a quarta força política com 4,98% dos votos e 8 deputados eleitos. Uma grande mudança, tendo em conta que há dois anos também só conseguiu eleger um deputado.

As razões para esta votação inesperada no PS são justificadas pelos seguintes factos: primeiro, o povo português mostrou um ‘cartão vermelho’ ao BE e ao PCP, responsabilizando-os por esta crise política. O voto útil à esquerda concentrou os votos no PS, mostrando que a maioria dos portugueses queria a aprovação do OE de 2022 e uma solução de continuidade do governo em funções, sendo que o PS não deveria continuar a ceder à chantagem e oportunismo dos seus parceiros de ‘geringonça’.

Depois, as sondagens e tracking polls ao mostrarem diariamente um ‘empate técnico’ ou um ‘empatão’, como ficou conhecido, entre os principais líderes, expôs perante os portugueses o risco evidente do PS poder perder as eleições, a exemplo das eleições autárquicas, e isso reforçou a capacidade de mobilização do eleitorado, contribuindo ao mesmo tempo para diminuir os números da abstenção.

Por fim, a linha vermelha que António Costa traçou com o Chega, bem como a capacidade em adaptar o discurso às circunstâncias (do pedido de maioria absoluta para a disponibilidade de falar com todos) foi bem acolhida pelos eleitores. É verdade que em alguns momentos Costa titubeou, foi pouco assertivo, mas acreditou sempre que seria possível ganhar as eleições.

Rui Rio, por sua vez, fez exatamente o contrário. Não conseguiu convencer o eleitorado ao centro - o eleitorado que costuma decidir eleições legislativas. Nunca afastou a hipótese de uma coligação com o Chega (até tentou normalizá-lo). E, ao deixar passar a ideia para o eleitorado de que governaria com a IL, CDS e até com o Chega, a mensagem que passou aos portuguese foi de que votar PSD, CDS, Chega ou IL era exatamente a mesma coisa pois juntos formariam um bloco de Direita. Esqueceu-se foi de um detalhe importante, para isso acontecer era necessário ser ele a ganhar as eleições.

Finalmente, que dizer do discurso do líder do PSD ao final da noite. Questionado sobre as condições para continuar a liderar, Rio reafirmou que a sua missão é “prestar um serviço ao PSD e a Portugal”. No entanto, a confirmar-se uma maioria absoluta do PS, não vê como pode ser “útil”, sem nunca afirmar que se iria demitir. Mas o mais importante, assegurou, é que as contas do Partido estão todas pagas. Rio veio apenas reiterar a ideia de que muitos tinham dele, de que é um zeloso guarda-livros, de que fala alemão, de que foi um erro de casting, cujos sinais foram apenas mitigados pelas vitórias obtidas nas Autárquicas. A diferença entre um político (António Costa) e um contabilista (Rui Rio), é notória.

Para além da derrota do PSD, estas eleições legislativas 2022 também foram marcadas por uma grande derrota à direita. O CDS de Francisco Rodrigues dos Santos conseguiu apenas 1,61% dos votos. Recorde-se que há dois anos o partido conseguiu eleger 5 deputados com 4,22% dos votos. Com este resultado, o atual presidente do partido pediu a demissão. O CDS não elegeu nenhum deputado para Assembleia da República. Pela primeira vez o partido deixa de ter representação parlamentar. Um resultado que dita a saída de Francisco Rodrigues dos Santos da liderança dos centristas.

Com a transferência de votos à esquerda para o PS,  BE e PCP também viram os assentos parlamentares reduzirem-se. O BE passou de ser a terceira força política para a sexta. Obteve apenas 4,46% dos votos e elegeu 5 deputados, menos 14 que em 2019. Também a CDU – coligação entre o PCP e os Verdes – conseguiu apenas 4,39% dos votos e eleger 6 deputados, ou seja, metade dos conquistados em 2019. Desta feita, o PEV não conseguiu eleger nenhum deputado. Não deixa de ser lamentável a não eleição de João Oliveira e António Filipe, dois deputados que muito acrescentam ao Parlamento.

À esquerda também o PAN conquistou menos votos em 2022 e assentos no Parlamento que em 2019. Angariou apenas 1,53% dos votos e elegeu apenas a própria líder, Inês Sousa Real. Já em 2019, conseguiu 3,32% dos votos e elegeu 4 deputados.

Já o Livre, à semelhança de 2019, só conseguiu eleger um deputado, o próprio presidente, Rui Tavares. Mas conquistou uma maior percentagem de votos: 1,28% em 2022 face a 1,09% em 2019.