Algumas notas sobre as eleições autárquicas

A reconfiguração do mapa político após as eleições autárquicas deste domingo permite tirar várias ilações:
A primeira é que o PSD emerge como o grande vencedor destas eleições. Sozinho ou em coligação com o CDS-PP e a Iniciativa Liberal, o partido conquistou o maior número de câmaras a nível nacional, incluindo as cinco maiores do país: Lisboa, Porto, Gaia, Sintra e Cascais. A estas somam-se outras cidades de peso, como Braga e Oeiras (onde o PSD apoiou Isaltino Morais). O resultado representa uma recuperação significativa nos grandes centros urbanos e confere um fôlego adicional ao Governo da AD.
Em contraste, o Partido Socialista deixou de ser a força mais votada nas autárquicas. O PS perdeu Sintra (apesar da excelente campanha feita pela Ana Mendes Godinho) e Gaia, e também não conseguiu conquistar as câmaras de Lisboa e do Porto. Ainda assim, obteve vitórias expressivas em cinco capitais de distrito que estavam nas mãos do PSD — Bragança, Coimbra, Viseu e Faro — e da CDU, caso de Évora. Apesar de perder a presidência da Associação Nacional de Municípios por uma diferença de nove câmaras para o PSD, o partido, após o desaire verificado nas legislativas de maio, reafirma-se como uma força sólida e enraizada a nível nacional.
O Chega, por sua vez, não conseguiu afirmar-se como uma força determinante no plano autárquico. Elegeu apenas três presidentes de câmara — São Vicente (Madeira), Albufeira (Algarve) e Entroncamento (Santarém) — depois de ter sido o segundo partido mais votado nas legislativas de maio. Recolheu pouco mais de 600 mil votos, um resultado muito abaixo dos 1,4 milhões alcançados nas legislativas. O partido falhou, assim, o objetivo de demonstrar o bipartidarismo que André Ventura vinha proclamando, e ficou longe das “três dezenas de câmaras” que o líder do Chega chegou a antecipar. Ainda assim, obteve resultados expressivos em Lisboa — onde se afirmou como terceira força política, à frente da CDU — e em Sintra onde Rita Matias teve um bom resultado.
O CDS-PP, por seu turno, conseguiu fazer prova de vida e preservar o estatuto de quarta força autárquica. Manteve o controlo de seis câmaras municipais e conquistou mais uma em coligação, demonstrando alguma resiliência no poder local.
De destacar também a erosão da CDU, que durante décadas ocupou o terceiro lugar no panorama autárquico. Pela primeira vez na história, a coligação não conquista qualquer capital de distrito. A CDU, liderada por Paulo Raimundo, não conseguiu manter as 19 autarquias obtidas em 2021, perdendo bastiões simbólicos como Grândola, Évora, Monforte e Setúbal — embora a quebra tenha sido menor do que muitos previam. Raimundo sublinhou, ainda assim, “elementos de resistência”, com maiorias em 11 municípios, incluindo quatro novas autarquias: Mora, Sines, Montemor-o-Novo e Aljustrel.
Em Lisboa, a CDU ficou em quarto lugar, atrás do Chega, depois de recusar integrar a frente de esquerda (PS, Livre, BE e PAN), liderada por Alexandra Leitão, bem como a proposta de vice-presidência — uma decisão que contribuiu para a vitória de Carlos Moedas, que ficou à beira da maioria absoluta. Moedas conquistou 27.423 votos a mais do que em 2021, ultrapassando largamente os 93.400 votos adicionais projetados pela coligação liberal com base nos dados dessa altura.
Trata-se de um resultado surpreendente para o Presidente da Câmara de Lisboa, especialmente tendo em conta que vinha sendo alvo de críticas significativas por parte de muitos lisboetas, agravadas recentemente pelo incidente no Elevador da Glória. Alexandra Leitão, à frente da coligação de esquerda sem a CDU, obteve mais 9.399 votos, mas ficou aquém dos 101.978 votos registados pela mesma coligação nas anteriores autárquicas. O resultado evidencia o retrocesso do voto da esquerda, em especial após o enfraquecimento do Bloco de Esquerda, que nas últimas legislativas se ficara pelos 2,69%.
O Bloco de Esquerda foi, de facto, um dos derrotados da noite. A coordenadora do partido reconheceu que o resultado das Autárquicas 2025 foi “modesto”, embora tenha destacado o “balanço positivo” das coligações de esquerda em que o BE participou. A ausência de Mariana Mortágua durante a campanha — devido à sua detenção em Israel, após integrar uma flotilha de solidariedade com Gaza — gerou críticas internas e externas e poderá ter influenciado negativamente o desempenho do partido na maior câmara do país.
Finalmente, a Iniciativa Liberal. Apesar do entusiasmo de Mariana Leitão — com um vereador eleito em Castelo Branco, outro em Braga e alguns representantes integrados em coligações — certo é que a IL passou entre os pingos da chuva e acabou por não deixar marca nestas eleições.