25 de Abril em tempo de confinamento
Discordo das comemorações do 25 de Abril deste ano, nos moldes que estão a ser organizadas pela Assembleia da República, considerando o contexto de Estado de Emergência e as medidas que estão a ser tomadas de combate à propagação da COVID-19. Assim como sou contra às comemorações do Dia do Trabalhador que impliquem ações de rua e ajuntamentos de pessoas ou qualquer outra comemoração, seja de que natureza for, que envolva a concentração de pessoas, no contexto e conjuntura atuais que atravessamos.
Esta posição não tem, como se imagina, qualquer conotação política ou animosidade contra o 25 de Abril, mas apenas e só a defesa e a salvaguarda da saúde pública. Por isso passamos a Páscoa afastados da família e os cristãos em Portugal e no mundo não puderam celebrá-la, condignamente; por isso os nossos emigrantes não puderam vir passar a época pascal com a sua família, a Portugal; por isso o Papa Francisco deu a sua bênção Urbi et Orbi, na Praça de S. Pedro, no Vaticano, completamente vazia e os nossos bispos e padres celebram as missas em catedrais, igrejas e capelas sem público na assistência; por isso no país estão proibidos os aglomerados de pessoas em funerais e os mortos estão a ser cremados ou enterrados sem que a família e os amigos lhes possam prestar a sua ultima homenagem; por isso estão a ser cancelados os casamentos; por isso se festejam os aniversários à distância; por isso a rainha de Inglaterra em 68 anos de reinado prepara-se para cancelar as cerimónias oficiais do seu aniversário; por isso não estamos com a nossa família e amigos como gostaríamos; por isso estamos fechados em casa e privados de fazer a nossa vida normal.
A que título daqui a uma semana a Assembleia da República, por sugestão de Ferro Rodrigues, prepara-se para comemorar o 25 de Abril, juntando várias pessoas no hemiciclo e nas galerias? É, sem dúvida uma péssima imagem que este órgão de soberania está a transmitir aos cidadãos, porque contraditória com a mensagem que diariamente o Presidente da República, o Governo e as autoridades da saúde nos passam.
E não me venham dizer que quem se opõe às comemorações é contra a democracia! Não, 25 de Abril, sempre, mas este ano é um ano atípico. Há outras formas de celebrarmos o 25 de Abril, temos hoje, felizmente, meios tecnológicos que nos permitem assinalar esta data virtualmente, mantendo a interação com os cidadãos através das redes sociais. A própria Associação 25 de Abril já veio lançar o repto para que as pessoas cantem à janela a canção 'Grândola Vila Morena’ que é também uma outra forma de evocar o 25 de Abril com o mesmo espírito de união, de solidariedade e de respeito que a data merece.
E uma vez que não prescindem de celebrar a efeméride na Casa da Democracia, a maneira mais correta de a comemorar em período de confinamento seria estritamente com os órgãos de soberania (sem a presença dos tribunais) e os líderes parlamentares, numa cerimónia simbólica, transmitida através das televisões com os discursos habituais. O povo ia perceber e aplaudir certamente.
A este propósito transcrevo aqui a opinião corajosa de João Soares que, sendo um democrata indiscutível mas que pensa pela sua cabeça, partilhou um texto no seu facebook, a propósito deste tema, apoiando-sen na opinião de Luís Fagundes Duarte: «com todo o respeito por quem tem opinião contraria acho um disparate persistir na ideia da sessão comemorativa do 25 de Abril na AR no modelo tradicional.E previno já não admito que me chamem facho, ou que insinuem que não estou com o 25 de Abril por exprimir esta minha opinião. Cito o meu amigo, e camarada, Luiz Fagundes Duarte hoje aqui no Facebook : "A AR, com o seu Presidente à cabeça e a pronta anuência do Presidente da República, conseguiu o que não passaria pela cabeça de um cão tinhoso: pôr uma boa parte dos portugueses contra as comemorações do 25 de Abril. Não sei o que lhes deu para, com o país em estado de emergência e a maioria da população em confinamento doméstico, decidirem comemorar o 25 de Abril seguindo o figurino utilizado em tempos normais (e que, convenhamos, já não diz nada à maioria dos portugueses): juntando pessoas a discursar num espaço fechado. Independentemente do seu número e qualidades. Como se fosse impossível comemorar a data de outra maneira. A incapacidade de inovar assim revelada é de bradar aos céus. Mas nem precisariam de inventar nada: a força da figura do Papa Francisco a dar a sua bênção «Urbi et Orbi», sozinho, na enorme Praça de São Pedro vazia, foi muitíssimo maior do que se ele o tivesse feito com a praça cheia de gente.
EM TEMPO: a minha referência ao Papa e ao seu gesto não reflecte qualquer postura minha relativamente à Igreja Católica e aos seus rituais. O que aqui me interessa é a eficácia".
O Luís Fagundes Duarte diz tudo o que era preciso dizer, eu subscrevo e acrescento : estive a 25 de Abril de 1974 no Largo do Carmo. Conheci lá Salgueiro Maia. Sou um indefetível da nossa Revolução. Até já tive a honra e o prazer de falar, por duas vezes, em cerimonias do 25 de Abril na AR. Pelo PS, claro. De que também sou um indefetível. Faço um apelo porque ainda há tempo. Revejam a decisão infeliz que tomaram, e venham para as janelas e varandas de vossas casas, locais de trabalho, Hospitais, cantar connosco a Grândola e a Portuguesa às 15 horas de 25 de Abril de 2020. Liberdade, Igualdade, e Fraternidade. Viva o 25 de Abril ! João Soares.».
Porque sejamos francos, passados 46 anos sobre a Revolução do Cravos, celebrar Abril são sobretudo valores e convicções que se devem renovar diariamente e que devem encontrar expressão em ações na democracia participativa e não apenas nas cerimónias oficiais na Assembleia da República de cravo na lapela.