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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Sab | 29.06.13

ADSE e SNS

De vez em quando vem à colação um tema recorrente: ADSE. Hoje mesmo ele foi assunto de primeira página do Jornal Expresso. O sistema é conhecido por todos, mas ainda assim vale a pena tecer algumas considerações. Trata-se um subsistema de saúde para o qual os funcionários públicos e a entidade patronal (Estado) descontam, mensalmente, uma percentagem. Os utentes do sistema beneficiam de descontos na prestação de cuidados de saúde, pagando apenas uma pequena parcela. A parte remanescente é suportada pelo Estado. Note-se que a ADSE suporta o custo do sistema convencionado, mas suporta também o custo integral do atendimento dos seus beneficiários na rede pública de hospitais e centros de saúde, assim como a comparticipação dos medicamentos segundo as mesmas regras do SNS. A ADSE não tem custos fixos de manutenção da rede de clínicas e hospitais, pagando apenas os atos efetivamente prestados aos seus beneficiários, permitindo ao utente escolher a entidade que lhe prestará o serviço. Esta poderá ser privada, desde que tenha celebrado um acordo com a ADSE. Ainda assim, caso não o tenha feito, o utente da ADSE poderá aceder a essa entidade, pagando o custo integral do ato médico, sendo posteriormente reembolsado pela ADSE de uma parte do que pagou. É óbvio que este sistema tem vantagens significativas relativamente ao SNS (Serviço Nacional de Saúde). Desde logo, porque dá ao paciente a liberdade de escolher a entidade prestadora de serviços médicos, incluindo o médico, responsabilizando-o pelas suas escolhas. Permite uma garantia social por parte do Estado em assegurar serviços médicos, sem que para isso tenha despender mais dinheiro na construção e manutenção de serviços estatais de saúde. Neste sentido, a ADSE é um sistema mais racional e menos despesista do que o serviço estatizado de saúde, do ponto de vista do princípio constitucional de garantia acesso universal aos serviços de saúde. Assim, uma reflexão séria sobre a reforma do Estado no sector da saúde deveria começar por ponderar a possibilidade de estender a ADSE a todo o Sistema Nacional de Saúde. Contudo, o que temos assistido é que se recusa esta hipótese, por ser considerada demasiado dispendiosa. Vale a pena refletir neste ponto. A ADSE pode ser mais onerosa que o SNS no sentido de que as contribuições dos utentes não cobrem a despesa global? Um erro crasso, porque cada beneficiário custa menos ao erário público que um utente do SNS cerca de 311,00€ menos (números de 2009). Se contabilizarmos as contribuições dos funcionários públicos para a ADSE - 1,5% da massa salarial -, cada beneficiário acaba por custar ao Estado apenas 627,00€/ano, enquanto um utente do SNS custa 938,00€/ano. Uma diferença de 311,00€ portanto. Atendendo que a ADSE tem 1 353 272 beneficiários, cerca de 12% da população, a extinção deste subsistema iria necessariamente aumentar a procura no SNS, que provavelmente não teria capacidade de resposta, para mais num período de contenção orçamental e de diminuição da oferta. Um aumento da procura com um impacto potencial superior a 400 milhões de euros, o suficiente para comprometer qualquer objetivo de poupança. Acresce que este regime de proteção social não pode obviamente ser mais dispendioso do que manter milhares de médicos, enfermeiros e outros funcionários em hospitais e centros de saúde que são integralmente pagos com o dinheiro dos contribuintes. Parece-me até compreensível aumentar um pouco as prestações de modo a arrecadar mais receitas que permitam cobrir uma despesa cuja estrutura possa ser mais sustentável. Recorde-se que a proposta do governo contempla um aumento dos descontos dos funcionários públicos e dos aposentados do Estado para este subsistema de saúde (ADSE). De acordo com a proposta de lei de alteração agora entregue, os trabalhadores do Estado no ativo, bem como os pensionistas verão aumentados os descontos para este subsistema de saúde de 1,5% para 2,25% já este ano e para 2,5% a partir de 1 de Janeiro de 2014. Não nego que a existência da ADSE, como subsistema de saúde exclusivo ao funcionalismo público, comporta alguma injustiça em relação aos trabalhadores do sector privado. Por isso entendo que faria mais sentido, num primeiro momento agregar todos os sistemas públicos de financiamento de saúde (ADSE, ADME, ADMA; ADMFA; Ministério da Justiça, etc.). Num momento posterior, tal como propõe José Mendes Ribeiro no seu livro - "Saúde, a Liberdade de Escolher" -, acabar com o SNS e alargar a ADSE, ou um sistema similar, a toda a população, seguindo as regras adotadas pela ADSE, e permitindo aos funcionários escolher, a cada momento, onde querem ser tratados, suportando estes a diferença, em locais onde os custos são superiores que a comparticipação. Essa opção permitiria poupar milhões de euros. Até porque a rigidez do SNS tem um efeito negativo na economia que nunca foi devidamente estudado e quantificado: horas de espera na urgência hospitalar que prejudicam a produtividade laboral; listas para acesso a consultas médicas que, muitas vezes, são precedidas de baixas; doentes, com emprego precário, sem assistência médica por dificuldade de deslocação a centros de saúde em horário laboral. A independência de cada um escolher o seu médico e a instituição onde pretende ser assistido associada à garantia de serem consultados em tempo útil não têm preço e são um valor em si mesmo. Incentiva a confiança nos serviços de saúde, facilita o aparecimento de instituições de excelência e acaba por ter um impacto positivo nos custos. A concorrência melhora inevitavelmente a relação custo/benefício, criando valor para os doentes e estimulando a qualidade. É justamente por haver liberdade de escolha e concorrência nos subsistemas de saúde que não há listas de espera, um problema dramático que o SNS não conseguiu nunca solucionar.



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