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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Ter | 11.03.25

Eleições à vista?

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O Parlamento debate e vota hoje uma moção de confiança lançada pelo Governo, com chumbo pré-anunciado. Com eleições no horizonte, Governo e PSD rejeitam abdicar da moção de confiança, que veem como condição determinante para prosseguir a atual governação, desafiando os socialistas a absterem-se. A oposição diz que não há condições para aprovar a moção de confiança apresentada pelo Governo.

Tudo começou há́ menos de um mês com uma notícia do jornal CM que afirmava que Luís Montenegro é dono de uma empresa que tem como uma das atividades a compra e venda de imóveis, o que implicava um conflito de interesses com a Lei dos Solos recentemente aprovada, que facilita a reconversão de solos rústicos em urbanos.

A Spinumviva foi constituída por Luís Montenegro, a mulher e os dois filhos. A sede da empresa é a morada da família, em Espinho e o telemóvel é o de Luís Montenegro. Quando a família criou a empresa, Montenegro era o sócio-gerente e detinha a quota maior (62,5%), mas deixou a empresa um mês depois de ter sido eleito presidente do PSD (2022) e a sua quota foi distribuída pela mulher, que ficou como sócia maioritária, e pelos dois filhos. Contudo, por ser casado em regime de comunhão de adquiridos, o primeiro-ministro continuava, em termos legais, a tirar benefícios dos proveitos da empresa, que por sua vez poderia beneficiar da nova lei dos solos. Sendo a venda da quota nula, Montenegro mantém-se como sócio maioritário e dono da empresa, o que reforça os indícios de uma situação de potencial conflito de interesses.

Acresce ainda que a empresa da família de Luís Montenegro, da qual o atual primeiro-ministro era ainda sócio maioritário, obteve, entre 2021 e 2023, uma faturação total de 718 mil euros, mas o total de gastos com pessoal foi apenas de 92 mil euros, e a empresa paga quatro mil euros de renda, quando tem sede em casa família Montenegro.  Tem dois colaboradores que estão ao serviço desde 2022: o jurista André Costa e uma advogada, identificada como “Inês Patrícia”, mas que se trata de Inês Varajão Borges, advogada especialista em proteção de dados que também colaborou com a HMR, a sociedade de advogados fundada por Hugo Soares, secretário-geral do PSD e líder parlamentar do partido. É também casada com João Rodrigues, filho do dono de uma gasolineira (cliente de Luís Montenegro) e o candidato do PSD à Câmara de Braga.

Os partidos da oposição pediram esclarecimentos ao primeiro-ministro. PS pede explicações para o que diz ser um conflito de interesses e o Chega fala em "absoluta incongruência" e avança com uma moção de censura ao governo. No debate da moção apresentada pelo Chega, o primeiro-ministro falou da faturação e resultados líquidos que a empresa teve em cada ano, dos clientes, embora não os mencionando, por considerar que “não era obrigado” a prestar estas informações, alertando que até pode violar o sigilo profissional a que se vinculou. Indicou também que os lucros da empresa estão totalmente destinados ao investimento e por isso não foram distribuídos em dividendos. A moção foi rejeitada pelo Parlamento, sem surpresas, sendo o partido proponente o único que votou a favor.

A situação agudizou-se quando, no dia seguinte, o semanário Expresso revelou que a Spinumviva recebe do grupo Solverde uma avença mensal de 4500 euros desde julho de 2021, por prestação de serviços especializados, alegadamente de compliance e no domínio da proteção de dados pessoais. A recusa do grupo em detalhar de que forma são prestados esses serviços levantou novas suspeitas sobre a natureza dos contratos e a possível influência política.

Na sequência da notícia do Expresso, Luís Montenegro convoca um Conselho de Ministros extraordinário e nesse mesmo dia faz uma declaração ao país, dizendo que ir passar as quotas da empresa para os seus filhos, ameaçando apresentar uma moção de confiança, caso a oposição continuasse a pôr em causa a sua conduta. Em resposta, o PS anunciou a intenção de propor uma comissão parlamentar de inquérito (CPI).

Entretanto ficou a saber-se que o primeiro-ministro usou dinheiro depositado em várias contas à ordem para pagar uma das duas casas que comprou em Lisboa, sem recurso a crédito bancário. Depósitos que, por serem de valor inferior a 41 mil euros, dispensam a declaração à entidade da transparência. Aguardando pelas obras nos apartamentos, o primeiro-ministro dispensou as instalações do Palácio de S. Bento e hospedou-se num hotel com uma diária, segundo o próprio, de 250€. Calculando o valor da diária por 30 dias, os 250 euros por noite num mês significam uma despesa de 7.500 euros - superior ao salário de primeiro-ministro, que é de (5838,21 euros) e que com despesas de representação chega aos 8.296 euros.

O Governo volta ao Parlamento para uma nova moção de censura, agora apresentada pelo PCP, a qual foi chumbada, mas em que Montenegro anuncia a apresentação de uma moção de confiança no Parlamento. André Ventura afirmou que o Chega vai votar contra a moção de confiança e o secretário-geral socialista também  confirmou que o PS não iria viabilizar a moção de confiança. Pedro Nuno Santos acusou Luís Montenegro de preferir eleições a enfrentar uma comissão de inquérito. Com os votos contra do PS e do Chega, a moção de confiança será rejeitada por uma maioria simples, o que implica a demissão do Governo.

Com a provável rejeição da moção de confiança pelo PS e pelo Chega, o Governo está condenado à demissão, abrindo caminho para eleições antecipadas. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, admitiu que as eleições poderão ocorrer entre 11 e 18 de maio, caso o Governo caia. A decisão final caberá ao Presidente, que terá de ouvir os partidos e o Conselho de Estado antes de dissolver a Assembleia da República. 

As eleições antecipadas representam uma prova de fogo para Luís Montenegro e para o PSD. O resultado será um plebiscito à sua idoneidade e à capacidade de liderança. Mesmo que a Aliança Democrática vença, o caso Spinumviva deixará marcas profundas na imagem de Montenegro e do partido, com repercussões para o sistema político português e para a confiança dos cidadãos na democracia.

A crise política em torno de Luís Montenegro e da Spinumviva expôs falhas graves na transparência e na gestão comunicacional do Governo. A sucessão de episódios que vieram a público, através da Comunicação Social, foram mal explicados, com declarações contraditórias e pontas soltas e expuseram o Primeiro-Ministro a uma situação insustentável.

A insistência do primeiro-ministro em avançar com uma moção de confiança, cujo chumbo era previsível, revela a sua preferência em provocar uma crise política, em detrimento de um escrutínio parlamentar mais aprofundado. O país enfrenta agora um período de incerteza, com a dissolução do Parlamento e novas eleições com um resultado pouco previsivel que irão reconfigurar o panorama político português.