Portugal dos Pequeninos
«A ministra das finanças olha para a irlanda e anima-se. Se lá correu “bem” o memorando funciona, esta política funciona, nós também não precisaremos, talvez, de um “programa cautelar”. De resto, temos um trimestre que diz tudo sem estudo: 0,2% de crescimento.
Machete, por seu turno, sabe que com juros a 4, 5% da dívida podemos ir a mercados (?).
Este é o Portugal dos pequeninos.
Em duas coisas: comparamos o incomparável e analisamos o estado estrutural de um país com números respeitantes a três meses, desde que bonzinhos, mas sem qualquer estudo acerca do significado desses números: a que se devem, quais os setores em causa na descida do desemprego, se há alguma coisa que possa ser analisada em termos efetivamente estruturais, de durabilidade.
Portugal dos pequeninos escuta mensagens contraditórias do governo porque o governo emite mensagens à medida de notícias pontuais, como a notícia da recuperação da Irlanda, que não quer programa cautelar, donde o oráculo do momento a dizer que nós vamos bem, como eles.
Isto não é ignorância, é desnorte remendado. A ministra das finanças sabe que o que se passou na irlanda não foi, não é, e nunca será comparável com Portugal. Dos pequeninos.
A ministra das finanças sabe que a estrutura económica, os níveis de pobreza, os níveis de qualificação na irlanda são outros que, numa pátria de menos de 5 milhões de habitantes, ajudam bastante a que um programa de assistência não tenha o impacto monstruoso que o programa de austeridade aplicado ao Portugal tem.
A ministra das finanças sabe bem que as causas da assistência financeira à irlanda em nada se assemelham com as causas do pedido de resgate português.
A ministra das finanças sabe que a irlanda nunca se pôs de gatas perante os seus credores, sabe que o povo irlandês está representado com quem se realmente se senta à mesa para discutir e não apenas para ouvir e comer.
A ministra das finanças sabe que as medidas de austeridade aplicadas à Irlanda nada têm que ver com as medidas de austeridade aplicadas a Portugal. Dos pequeninos.
A ministra das finanças sabe também que os 0,2% que nos tiram da recessão, nesta análise pontual elevada a estrutural, que o OE em discussão tem tudo para fazer explodir com a notícia.
Convinha ter uma ideia estrutural para Portugal, que não reduziu a dívida, que não reduziu o défice e que falhou em todas as metas.
A ministra das finanças se tivesse uma visão estrutural do país – que a troica se atire a uma abstração já é letal, mas convinha que quem governa o concreto, Portugal, soubesse do que fala – teria de chegar à conclusão de Gaspar: esta política não funciona e evidentemente um programa cautelar (seja lá o que isso for) é a certidão de óbito da tal da política de austeridade na qual estava incluído como objetivo o regresso aos mercados no final do programa, e não depois dele.
E vivemos assim, com um relatório do FMI a bater no TC, a dizer de baixar ainda mais os salários, isto e outras loucuras numa visão que vai até 2016, ano que não teremos mais, espero, esta ministra das finanças e este governo.
A lógica do empobrecimento da população tem método: o FMI bate na função pública, chamando-a de privilegiada em relação aos privados; depois de empobrecida a função pública, exige menos salários para os privados, talvez para nivelar; ataca-se as pensões, com o mesmo método, para depois se baixar as reformas e dar cabo da segurança social. Isto é ideologia pura, maoista, e abraçada por este governo.
Estão a conseguir. Os mais ricos de Portugal estão mais ricos e a restante população está mais pobre. A pobreza, hoje, no Portugal dos três em três meses, é insuportável.
Tudo o resto é essa coisa do desnorte remediado com declarações pontuais sobre comparações incomparáveis e sobre números que dizem nada de nada sobre Portugal.
Vale a pena ler o relatório da organização internacional do trabalho, esse pilar do qual fazemos parte, que explica fundamentadamente como em momentos destes as medidas a tomar são as opostas às tomadas.
Vale a pena desligar a televisão e não ouvir passos, nem Passos, nem Machete, nem Barroso, que gostava que existissem mais Alemanha na Europa, o que congelaria as relações económicas entre países, vale a pena desligar a televisão quando nos ofendem.
Certo é que entre a OIT e um técnico do FMI o governo sabe quem prefere ouvir»
Isabel Moreira - Blogue Aspirina B