A agonia do comério tradicional
Ontem à hora de almoço passei na Av. De Roma. O cenário é desolador: lojas fechadas, montras forradas a papel, letreiros a dizer “trespassa-se” ou “aluga-se” fazem hoje parte da paisagem desta artéria e de muitas da cidade de Lisboa.
De regresso ao trabalho, vinha a pensar no pesadelo que assolou o comércio tradicional. É triste ver lojas, que bem conhecemos, com dezenas de anos (algumas centenárias), a fecharem portas.
Quem conheceu a Av. De Roma nos anos 80 e 90, lembrar-se-á certamente do movimento que tinha esta zona da cidade de Lisboa. Um dos principais centros de compras, com lojas de vestuário e calçado de grande qualidade. Era obrigatório visitar a Av. de Roma, João XXI e Guerra Junqueiro aos sábados à tarde, ver as montras, lanchar no “Frutalmeidas”. É triste agora ver desaparecer todas essas lojas.
Nas últimas três décadas, tudo mudou ao nível do comércio e serviços. Primeiro foi o aparecimento das grandes superfícies, com vantagens na localização, na concentração de lojas de diferentes áreas no mesmo local, nos horários de funcionamento e na capacidade de aquisição dos produtos. Os centros comerciais tornaram-se, hoje em dia, mais apelativos para se fazer compras, é um facto! Por um lado, reúnem num só espaço várias lojas (alimentação, restauração, modas, saúde). Por outro, nos centros comerciais há lugares de estacionamento disponíveis, o ambiente é climatizado, protege da chuva e do frio, a música é agradável, há videovigilância e as pessoas sentem-se mais seguras e sobretudo têm um horário mais alargado do que a lojas de bairro (que normalmente encerram às 19 horas), razões mais do que suficientes para afastar as pessoas do comércio tradicional.
Em simultâneo, foi o surgimento de novas urbanizações(autênticos dormitórios), muitas vezes desadequadas à implantação do comércio e serviços em detrimento da malha urbana consolidada (zonas históricas ou antigas), estas com novas limitações de uso e acessos, levando inevitavelmente à morte do comércio tradicional e de restauração nesses locais.
Depois, foi o aparecimento das lojas chinesas, com produtos “Made in China” a baixo custo, com os quais as lojas nacionais dificilmente conseguem competir. Hoje as lojas chinesas proliferam por todo o país, atingindo várias centenas, nascem como cogumelos. Esta questão levanta alguns problemas no que concerne ao insuficiente controlo das mercadorias importadas por essas comerciantes e pela falta de fiscalização adequada em matéria fiscal e condições de trabalho.
Devemos ainda considerar outras razões, não despiciendas, que nos conduziram até aqui, como sejam: a dificuldade no acesso ao crédito e/ou juros incomportáveis, as taxas de IVA e o IRC, os preços elevados do gás e da electricidade, os combustíveis, os transportes, as portagens, as taxas de resíduos sólidos urbanos, bem como todo o tipo de licenças obrigatórias exigidas por lei a um estabelecimento comercial. Todos estes fatores aliados à perda do poder de compra da população portuguesa contribuíram para o panorama que o comércio local se confronta atualmente.
Também a nova Lei de Arrendamento Urbano, veio dar um contributo significativo para o encerramento de milhares de lojas. Alguns comerciantes viram as rendas aumentar para o dobro e muitas vezes para o triplo.
No momento presente, tendo como pano de fundo toda a situação descrita, a vida tornou-se muito complicada para os comerciantes, a crise acentuou esse fenómeno, e dar a volta à situação afigura-se um autêntico pesadelo. As medidas ensaiadas em diversos pontos, poucos ou nenhuns resultados deram e os lojistas começam a perder a esperança.