A ascensão do Chega
A vertiginosa ascensão do partido Chega no cenário político português representa um dos fenómenos mais marcantes da democracia portuguesa contemporânea.
Em apenas seis anos, o partido saltou de 1,3% dos votos nas eleições legislativas de 2019 para cerca de 23% em 2025, aumentando sua representação parlamentar de um único deputado para aproximadamente 60. Esta trajetória meteórica insere-se num contexto global de crescimento de partidos populistas de direita radical, mas apresenta características particulares que merecem reflexão.
À semelhança do espanhol Vox, o Chega nasceu de uma cisão da direita tradicional — neste caso, do PSD —, liderada por André Ventura, em oposição à presidência de Rui Rio. O partido também estabeleceu ligações internacionais com outras formações de extrema-direita europeia e mundiais. O seu crescimento insere-se numa vaga reacionária global, sustentada por propostas e declarações abertamente racistas e polarizadoras: da defesa da castração química para agressores sexuais, ao discurso de ódio contra ciganos, imigrantes, justiça e igualdade de género.
Um dos pilares centrais do discurso de Ventura é a imigração. Ora, Portugal, como se sabe, tem desafios estruturais sérios: carência de mão-de-obra, baixa produtividade, envelhecimento demográfico e fraco investimento público. A imigração, longe de ser um problema, foi parte da solução: forneceu mão de obra mais jovem, ofereceu soluções em setores como a agricultura. restauração e construção civil, reforça a Segurança Social e impulsionou o crescimento económico. Contudo, o processo migratório deve ser regulado. Portugal não pode ser um país de portas escancaradas.
Uma das principais bandeiras do Chega é o combate à corrupção. No seu programa, o partido propõe medidas como a criminalização do enriquecimento ilícito, reformas nos mecanismos de confisco de bens e iniciativas para acelerar o funcionamento da Justiça. Sob o lema “Limpar Portugal”, a campanha incluiu cartazes que identificavam figuras como José Sócrates e Luís Montenegro como símbolos da corrupção no país.
No entanto, o próprio partido tem enfrentado diversas polémicas. Vários dos seus membros têm estado envolvidos em problemas com a Justiça, incluindo casos de furto de malas em aeroportos, condução sob influência de álcool, abuso sexual de menores, entre outros. Ao todo, são 15 os deputados do Chega com processos judiciais em curso.
Apesar dos sucessivos escândalos internos, o partido tem conseguido resistir ao desgaste político. André Ventura afirma que, sempre que um crime for comprovado, o partido afasta os eleitos dos cargos que ocupam. Ainda assim, os eleitores parecem relativizar esses episódios, mantendo o apoio ao partido.
A ascensão eleitoral do Chega reflete, em grande medida, um profundo mal-estar social: perda de poder de compra, inflação persistente e uma crise habitacional galopante, perante a qual os partidos tradicionais têm falhado em apresentar respostas eficazes.
Mas será o Chega capaz de resolver os problemas que mais afetam os portugueses, especialmente os mais vulneráveis? Que propostas apresenta para dinamizar a economia ou inverter a pirâmide demográfica?
As medidas anunciadas por Ventura tem um impacto superior a 5% do PIB. Apenas a proposta de igualar todas as pensões ao salário mínimo ultrapassaria, por si só, o orçamento dos ministérios da Educação ou das Infraestruturas. Para financiar tais medidas, o partido propõe três fontes: o combate à corrupção, uma taxa sobre lucros excessivos da banca e o fim dos apoios à chamada “ideologia de género”.
Importa esclarecer: não existe qualquer verba específica no Orçamento do Estado para a “ideologia de género”. O que existe é uma dotação de 426,57 milhões de euros para combater desigualdades de género, distribuída por 564 medidas — como a gratuitidade das creches, o reforço do abono de família ou os passes gratuitos Sub-18 e Sub-23 — benefícios que o Chega pretende eliminar para financiar aumentos salariais às forças de segurança; o aumento extraordinário das reformas em 2025; Isenção de IMI para imóveis de “habitação própria permanente”, entre outras medidas.
O Chega constrói a sua narrativa a partir de problemas reais — como a insegurança e a corrupção — para, em seguida, apresentar soluções simplistas e inconstitucionais: endurecimento de penas, ampliação de poderes das forças de segurança, prisão perpétua, castração química e deportações de imigrantes. André Ventura posiciona-se como uma figura quase messiânica, oferecendo soluções imediatas para desafios que são, na realidade, profundamente complexos — uma estratégia que explora o descontentamento dos portugueses.
Contudo, o partido falha em apresentar propostas credíveis para os desafios estruturais do país: melhoria do SNS, acesso à habitação, crescimento económico, modernização dos serviços públicos ou reforma da justiça. Falta-lhe visão estratégica, quadros qualificados e capacidade de governança.
Quantos eleitores do Chega sabem ou conhecem o programa do Chega? Quantos leram e/ou compreenderam efetivamente o programa dos partidos? Esta não é uma falha exclusiva deste eleitorado — é um problema transversal à sociedade portuguesa, onde se vota mais em narrativas e emoções do que em políticas económicas e sociais concretas.
Num tempo de consumo rápido de conteúdos, como os das redes sociais, muitos aceitam como verdadeiro tudo o que veem no ecrã do telemóvel, sem questionar a veracidade da informação. Este fenómeno tem impacto direto nos resultados eleitorais.
Um estudo recente sobre literacia, numeracia e resolução de problemas em 31 países revela dados preocupantes: 42% da população portuguesa entre os 16 e os 65 anos tem níveis muito baixos de literacia — cerca de 6,6 milhões de pessoas. Apenas 4% demonstram competências elevadas para interpretar e avaliar textos mais complexos. A conclusão é clara: desinformação e fraca literacia política.
Não se trata de rotular os eleitores com estereótipos. Mas é legítimo afirmar que nem todas as escolhas populares são bem informadas. A história mostra como os indivíduos podem ser facilmente manipuláveis em contextos de fraca literacia, ausência de valores cívicos e forte exposição à propaganda.
As novas tecnologias transformaram profundamente a forma de comunicar e produzir informação, permitindo que qualquer cidadão se torne também emissor de opinião, muitas vezes sob perfis falsos.
Um aspeto preocupante da ascensão do Chega é o recurso estratégico da desinformação. Foi divulgado recentemente que 58% das contas existentes na plataforma no X (antigo Twitter) que visam promover o partido, são perfis falsos criados para amplificar mensagens pró-Chega e atacar adversários, embora não seja o único partido a fazê-lo. Todos os partidos o fazem, embora em menor escala.
A trajetória do Chega reflete tanto tendências globais de ascensão da extrema-direita populista quanto particularidades do contexto português. O seu sucesso eleitoral deve-se à exploração habilidosa de redes sociais e desinformação; o recurso à retórica populista; a capitalização sobre o descontentamento com partidos tradicionais e a personalização política em torno da persona de André Ventura.
A desinformação aliada à iliteracia política é uma combinação perigosa — e o Chega sabe explorá-la com competência.