A minha mãe
A minha mãe partiu há oito dias e eu ainda não consigo bem exprimir por palavras o que sinto. É um vazio imenso, é sentir falta de tudo: dos telefonemas, das conversas, dos mimos, dos beijos, dos abraços, de chamar pelo meu nome... Ainda me custa acreditar que nunca mais a vou ver (aqueles olhos azuis lindos), ouvir, tocar ou sentir. Com o seu desaparecimento foi-se um pedaço de mim, desfez-se um pouco mais a família, fechou-se um círculo, acabou uma geração. Começam a faltar-me as referências… de repente, tudo muda.
Procuro aceitar os últimos acontecimentos com a naturalidade com que se encara a lógica da vida e vou vivendo um momento de cada vez, na certeza de que o que nos unia era tão forte que perdurará para lá do tempo.
Podia agora dizer algumas palavras de circunstância: que a minha mãe era «a melhor mãe do mundo», que não havia outra como ela e que não a trocaria por nada deste mundo. Embora tudo isto seja verdade, é incrivelmente redutor e muito pouco importante nesta altura.
Interessa-me antes lembrar os valores, as ideias, as ações, os ensinamentos, a força de caráter e tudo o que de bom e de mau fomos vivendo ao longo do tempo. Foi esta a marca indelével que ela me transmitiu e é com estas recordações que agora vivo.
Passada a surpresa inicial do momento da partida - a morte de um ente querido surpreende-nos sempre - a dor da perda, o momento do luto, fica a eterna saudade, na certeza de que a poderei recordar diariamente em pequenos flashes que me chegam através de um lugar, de um objeto, de uma palavra, de um gesto, de um cheiro, de um sabor, de um filme ou de uma música. E lembrá-la assim será certamente a forma de a ter próxima, no pensamento e no coração.
Neste momento difícil e doloroso da minha vida apenas me recordo destes versos adaptados do poema «Blues Fúnebres» de W. H. Auden:
«Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Impeçam o cão de latir com um osso enorme,
Silenciem os pianos e ao som abafado dos tambores
Tragam o caixão, deixem as carpideiras carpir suas dores.
Deixem os aviões aos círculos a gemer no céu
Rabiscando no ar a mensagem Ela Morreu,
Ponham laços crepe nas pombas brancas da nação,
Deixem os sinaleiros usar luvas pretas de algodão.
Era o meu Norte, meu Sul, meu Este e Oeste,
Minha semana de trabalho, meu Domingo de festa
Meu meio-dia, meia-noite, minha conversa, minha canção;
Pensei que o amor ia durar para sempre: foi ilusão.
As estrelas já não são precisas: levem-nas uma a uma;
Desmantelem o sol e empacotem a lua;
Despejem o oceano e varram a floresta;
Porque agora tudo é inútil».