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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Qua | 13.07.16

A propósito das sanções

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 «O ridículo mata

 

Não ter a noção do ridículo é perder o respeito. A Europa está à beira de perder as duas coisas: a noção do ridículo e o respeito dos cidadãos. Vamos diretos ao assunto: pensar em aplicar sanções a Portugal por causa de duas décimas de défice é só estúpido. Se este assunto fosse assim tão simples, não seria grave. A questão é política, só. No essencial, a Comissão Europeia quer, à força, obrigar o Governo de António Costa a apresentar mais medidas, o tal plano B. E Costa, que já percebeu isso há muito tempo, decidiu aceitar o braço de ferro. Primeiro, porque não quer perder a face. E segundo, porque a sobrevivência política do Governo também depende disso. Se Portugal tiver que sofrer sanções, paciência. Culpa-se o governo anterior e segue-se em frente.

 

O caminho do governo é estreito. Toda a gente sabe isso. Reduzir o défice e cumprir os programas eleitorais de quatro partidos é o equivalente a querer juntar o céu e o inferno, sem se queimar. Mas há uma coisa que ainda ninguém pode tirar a António Costa, que é o benefício da dúvida. As contas fazem-se no final do ano e nessa altura se verá se as metas são mesmo cumpridas, sem necessidade de medidas adicionais.

 

Em segundo lugar, é preciso perceber o que são medidas adicionais. Um eufemismo, por norma, para aumento de impostos e cortes na despesa que, por sua vez, têm sido um eufemismo para cortar salários e pensões. O óbvio para a Comissão Europeia e para o FMI. O impensável para o Bloco de Esquerda, para o PCP, para os Verdes e, claro, para António Costa. Mas que não haja qualquer espécie de dúvida. O Governo tem um plano B e seria completamente irresponsável se não o tivesse. Todos tiveram e António Costa não é exceção. As cativações, já se sabe, são parte desse plano. Mas não é preciso puxar muito pela memória para chegarmos à conclusão de que nos últimos 20 anos não houve um único governo que não tenha recorrido a medidas temporárias para compor as contas. Manda a criatividade. Houve quem vendesse património, quem vendesse créditos fiscais, quem aumentasse impostos. No aperto, faz-se o que for preciso para não perder a face.

 

Mas então, qual é o problema da Comissão Europeia? Ressabio. Não gostou da ultrapassagem pela esquerda que António Costa fez a Passos Coelho, gosta ainda menos dos partidos que suportam o atual governo e odeia que Portugal esteja a reverter medidas que a iluminada troika impôs durante os três anos que esteve cá. Se o PSD e o CDS não podem fazer nada quanto a isso, porque estão em minoria, a Comissão Europeia pode. Ninguém os elegeu para nada mas eles podem tudo, mesmo que isso lhes custe a coerência, o respeito e a noção de ridículo. A coerência, porque nunca nenhum país foi sancionado por ter incumprido o défice, e houve tantos que o fizeram. Mas "a França é a França", não é Jean Claude Juncker? O respeito, porque no meio de um turbilhão de problemas que a Europa enfrenta, tão sérios e tão urgentes, a Comissão Europeia dedica-se a esta infantilidade das sanções, numa demonstração de poder própria dos líderes fracos. E noção do ridículo, isso, já não mora em Bruxelas há muito tempo.

 

Façam o que quiserem. Sanções, multas, peguem num chicote e comecem uma tortura daquelas à antiga. É-me indiferente. Mas depois disso, expliquem-nos qual é a vossa brilhante estratégia europeia que faz com a economia da zona euro esteja praticamente estagnada. Como é que se resolvem crises como a da Grécia? A França pode explicar-nos como é que se ultrapassam os limites do défice e não se é punido a seguir. A Alemanha pode, por obséquio, ensinar-nos a ter um sistema financeiro sólido e bancos à prova de crises. Assim como o Deutsche Bank, por exemplo. Génios líderes europeus, por favor digam lá qual é a solução, qual é o caminho, qual é a estratégia económica que vai tornar a Europa, finalmente, numa grande potência mundial?»

 

Anselmo Crespo