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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Sab | 12.09.20

Aulas de Cidadania

 

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Muito se tem falado das aulas de Cidadania e Desenvolvimento, devido a um caso ocorrido em Famalicão, em que uma família decidiu que os filhos não iriam frequentar a disciplina, alegando objeção de consciência aos seus conteúdos programáticos. 

 

Os pais foram informados através do Ministério da Educação que os alunos, ambos de quadro de honra, teriam de ficar retidos, pelo facto da frequência à disciplina ser de carácter obrigatório, tendo estes apresentado uma providência cautelar com o intuito de anular o despacho do Ministério da Educação, prometendo levar o processo «até às últimas consequências».

 

A tutela reconheceu, no entanto, que os dois alunos podiam assim ficar «prejudicados pelas consequências de uma atuação que, enquanto menores, lhes foi imposta» e propôs, em alternativa, o cumprimento de um plano de recuperação à disciplina, que implicava a realização de alguns trabalhos. Mas a família recusou tal proposta.

 

O currículo da disciplina foi realizado legalmente e é competência do Ministério da Educação e das escolas assim como a Matemática, o Português ou a História e como tal é obrigatória a sua frequência. Não são os pais que definem os conteúdos dos curricula, assim como não são os professores ou o ministério da Educação que definem as atividades extracurriculares.

 

Os pais têm todo o direito de discordar dos programas curriculares e se acharem que o conteúdo da disciplina colide com a sua liberdade de consciência ou dos seus filhos, devem recorrer aos tribunais, mas até que a sentença judicial ser pronunciada, deverão cumprir a lei. Impedir os filhos de frequentar a disciplina, usando abusivamente o instituto da objeção de consciência é um comportamento que ofende o direito à educação, caindo na alçada da Lei de Proteção de Crianças e Jovens, porquanto viola deveres parentais.

 

Foi o que aconteceu. A escola reportou a situação à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, pedindo para que interviesse, porque esta instituição tem especiais competências de tutela sobre os direitos dos menores de idade, podendo substituir-se aos pais, quando estes violam direitos das crianças e daí resultou que o caso foi parar ao Ministério Público que o está a investigar.

 

A escola constitui um importante contexto para a aprendizagem. A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento está estruturada de modo a refletir preocupações transversais à sociedade que envolvem diferentes dimensões da educação para a cidadania, tais como: educação para os direitos humanos; educação ambiental/desenvolvimento sustentável; educação rodoviária; educação financeira; educação do consumidor; educação para o empreendedorismo; educação para a igualdade de género; educação intercultural; educação para o desenvolvimento; educação para a defesa e a segurança/educação para a paz; voluntariado; educação para os media; dimensão europeia da educação; educação para a saúde e a sexualidade.

 

Percebo que ensinar questões de grande sensibilidade moral, ética e religiosa pode não ser fácil. Mas, mais perigoso ainda é permitir aos pais intervir, discricionariamente, nos programas escolares, o que não significa que os pais devam estar afastados da educação dos seus filhos. O papel dos encarregados de educação é fundamental e deve ser complementado com o papel da escola.

 

Até porque, sejamos claros, nem todas as crianças provem de famílias estruturadas com disponibilidade de tempo e recursos para educar e transmitir determinados valores, nem com a capacidade e 'à vontade' para abordar determinados temas.

 

Corre-se o risco de muitos pais, ou por terem baixa escolaridade ou por viverem em localidades onde o papel da religião é decisivo, transmitirem aos filhos a sua visão sobre o mundo e as suas preferências, muitas das vezes de uma forma deturpada, totalitária que vai estruturar, condicionar e modelar a formação de crianças e jovens, que serão os futuros adultos de amanhã e que se pretende que sejam cidadãos responsáveis, críticos, ativos e intervenientes na sociedade, dotados de conhecimento e informação.

 

É por isso que a disciplina da Cidadania e Desenvolvimento é tão importante. A cidadania traduz-se numa atitude e num comportamento, num modo de estar e viver em sociedade que tem como referência os direitos humanos, nomeadamente os valores da igualdade, da democracia e da justiça social. Contribui para a formação de pessoas responsáveis, solidárias que exercem os seus direitos e conheçam os deveres com respeito pelos outros, em liberdade, pluralidade e espírito crítico.