Da (in)utilidade do voto
Nas próximas eleições legislativas, de 4 de outubro, alguns partidos voltam a estar confrontados com o dilema de os eleitores recorrerem ou não ao chamado «voto útil».
À direita, a coligação PAF faz esse apelo e à esquerda o PS afina pelo mesmo diapasão. Face aos dados das sondagens que apontam para um empate técnico entre estas forças políticas, os eleitores são pressionados para refletirem sobre o voto útil, como se a democracia e a liberdade de escolha fossem uma ameaça para a sociedade: ou nós ou o caos.
Mas, o voto é útil para quem? Para quem recebe ou para quem dá? Havia uma máxima antigamente que afirmava que «o voto útil só é útil para quem o recebe», mas a lógica do voto deve justamente o contrário. Por isso a questão que se deve colocar não é a do voto útil mas sim a da vantagem de votar no partido A ou B.
O sistema favorece os grandes. É uma frase batida no mundo do futebol, mas que se aplica na perfeição às eleições. Nas legislativas de 2011, mais de meio milhão de eleitores ficou de fora do sistema eleitoral. Foram cerca de 512 mil votos desaproveitados que não serviram para eleger qualquer deputado. A culpa é do método de Hondt, modelo matemático proporcional, que dá vantagem ao partido mais votado, (por isso é que em Portugal não é necessário ter 50% dos votos para eleger uma maioria absoluta, basta para tanto 43% ou 44%).
Não foi por acaso que PSD e CDS-PP se apresentam juntos às próximas eleições. Ao concorrerem em coligação os dois partidos valem mais do que a soma das partes e isso poderá ser decisivo para a vitória. Trata-se de uma evidência puramente matemática, ou seja, não tem em consideração fatores de ordem política que influenciam os resultados obtidos. O efeito prático da coligação, ao juntar os votos dos dois partidos em cada círculo eleitoral adquire uma maior capacidade para conseguir os últimos mandatos em disputa, cuja atribuição é frequentemente decidida por escassas dezenas de votos. Em caso de derrota para a coligação, o facto de se apresentarem juntos poderá também servir para minorar a perda de deputados.
Ora, tendo em conta as sondagens que indicam uma grande proximidade entre PS e a PAF, e prevendo-se uma disputa taco a taco no dia 4 de Outubro, qualquer deslize num dos distritos com um eleitorado mais flutuante poderá ser decisivo. Sobretudo em Lisboa, Porto e Setúbal, onde são mais comuns os focos de instabilidade.
Dadas as assimetrias verificadas no país, a distribuição da população é variável e a dimensão dos círculos eleitorais é muito desigual, o que significa que o patamar para uma força política eleger um deputado é muito variável: enquanto em Lisboa 2% podem ser suficientes, em Portalegre podem ser necessários quase 25%. O que significa que mais votos não resultam obrigatoriamente em mais deputados. Na prática, o valor de cada voto depende da sua localização geográfica. Votar em círculos como Vila Real, Portalegre, Guarda, Bragança, Castelo Branco, Évora ou Beja é diferente de votar em Lisboa ou Porto, Braga e Setúbal ou Santarém.
Como se verifica, a divisão do território em diferentes círculos serve mais para reduzir a representação dos partidos de menor dimensão do que para eleger uma representação de base regional. Para que se perceba melhor: não faz qualquer sentido votar ou PCTP-MRPP ou Livre fora de Lisboa, porquanto é, provavelmente um voto totalmente inútil, dado não se afigurar grandes hipóteses de eleger qualquer deputado. O mesmo é votar, por exemplo, CDU na Madeira, votar BE em Vila Real, ou votar AGIR em Beja, são votos que não se converterão em representação parlamentar e nós temos uma democracia representativa.
Para a composição da AR, a distribuição dos mandatos segundo critérios geográficos e demográficos é determinante, além das distorções na proporcionalidade geradas pela aplicação do método de Hondt, são elementos quase tão importantes quanto o número total de votos dos partidos.
Mas admitir que há votos que têm menor valor que outros, conduz, necessariamente, à desvalorização das eleições como oportunidade de mudança e de dar visibilidade a novas propostas. Poderá ser uma das razões para o crescimento contínuo da abstenção e a sensação de muitos votantes que não valerá a pena participar no ato eleitoral, desinteressando-se da própria política.
A uma semana do ato eleitoral haverá certamente ainda muitos eleitores indecisos. Uns, sabendo não se importam, pois não tencionam ir votar. Outros, porque estão desiludidos com a classe política, «são tudo farinha do mesmo saco», dizem e outros ainda porque fazem o seguinte raciocínio: «o meu voto não conta para nada, no fim fica tudo na mesma».
Esta onda de descrédito com o processo eleitoral e de desapontamento com a classe política é alimentada por diversos sectores da sociedade prtuguesa interessados no status quo, razão pela qual os eleitores deveriam refletir se o facto de não irem votar, não estará precisamente a contribuir para se manter este estado de coisas e a colaborar ativamente para que tudo fique na mesma.