Eutanásia
«Está à porta a discussão e provável aprovação da despenalização da eutanásia em Portugal e eu não sinto folia nenhuma no facto e não julgo que seja de celebração fácil.
Julgo que nenhum sistema pode avançar com a eutanásia sem garantir que opera cuidados paliativos de modo irrepreensível. E nenhum sistema pode ser decente se não se precaver contra claros suicídios, voluntários ou forçados, que não se prendam com lúcidas e dignas decisões.
A vulnerabilidade das pessoas, por doença ou velhice, favorece estados depressivos e de abandono que podem propiciar a fantasia da morte. Tendo em conta o horrível que é a solidão, e tendo em conta o horrível de muitas famílias, pouco solidárias ou disfuncionais, confusas ou oportunistas, imagino bem que pelo cansaço ou pela fúria, por vingança ou ganância, muitos elegíveis para a eutanásia se verão encurralados, como se pedir a morte fosse a única coisa decente a fazer.
Horroriza-me que, aberta a oportunidade institucional de morrer, usemos a morte como resposta obrigatória para aqueles que viveriam apaziguados num contexto de cuidado e carinho.
Não sou, naturalmente, contra a opção lúcida de alguém que, assistido por uma bateria de médicos especialistas, encontre apenas na morte uma solução. Não posso ser contra a liberdade das pessoas de mente saudável. O que me parece impossível de conter é a precipitação para a morte dos que se deprimem, dos que se fragilizam sobretudo por falta de um sistema de acompanhamento humano, afetivo e pragmático, que os manteria justificados na vida.
Na Holanda já serão cerca de 20 casos diários de eutanásia por dia. Mais. Pretende-se disponibilizar o comprimido Drion gratuitamente às pessoas com mais de 70 anos, oferecendo-lhes a possibilidade de se suicidarem sem mais burocracia ou dificuldade. Ao invés de se investir na valorização das pessoas mais velhas, ocupando-as e acompanhando-as, cria-se lentamente a ideia de que são uma excrescência da sociedade. Considero um horror. A mudança de paradigma, passando de uma humanidade de resiliência para uma de suicidas, só pode aproveitar a estados onde a dimensão social faliu e se espera abreviar encargos por folia com a morte.
O que mais vejo são velhos à míngua de atenção, apressados para a morte porque parecem servir para nada. A tristezinha dos mais novos anseia pelo sossego, pelo quarto vago, pela despreocupação, pela herança. Fácil será de imaginar que, progredindo sem cuidado na despenalização, chegaremos a muito suicídio que não será senão uma forma de homicídio perpetrado pelo interesse de alguns e pela desfaçatez de todos.».