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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Ter | 17.11.20

Miguel Sousa Tavares entrevista André Ventura

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André Ventura foi o primeiro candidato às eleições presidenciais de 2021 a ser entrevistado por Miguel Sousa Tavares, no seu habitual espaço de entrevista no J8.

O líder do Chega nunca perde a oportunidade para ter palco e expor as suas ideias. Criou o partido quando percebeu que existiam lacunas na política portuguesa, sentimentos ocultos que muitos expressam nas redes sociais, de carácter populista, e não hesitou em explorar esse nicho no espetro político.

Ventura jamais entraria na Política para ser mais um. Quis marcar a diferença e soube muito bem cavalgar a onda do populismo, levando para o debate político os sentimentos mais primários, ou mais imediatos de uma franja do eleitorado insatisfeita com os partidos tradicionais.

Usa frases simples, palavras de efeito direto que mistura engenhosamente com exemplos estratégicos, manipula factos de forma estruturada e habilidosa, e confunde dissimuladamente, arregimentando, com isso, a imensa mole de gente desiludida da vida e da política.

É um verdadeiro artista da política popular, reacionária e primária. Tem verbo fácil, a lição na ponta da língua e é um animal de palco, alcançado muito à custa de seu comentário desportivo na CMTV como “cartilheiro” do Sport Lisboa e Benfica e que lhe serviu de trampolim para chegar onde chegou.

Quem não perceber isto, perde qualquer confronto com André Ventura. E isto tanto se aplica a jornalistas ou comentadores que o convidem e o tentem confrontar, como a políticos que um dia terão inevitalmente que o enfrentar para debater ideias.

Foi isso justamente a que assistimos ontem frente a um Miguel Sousa Tavares, mal preparado, não se coibindo de dar as suas opiniões, colocando ao entrevistado questões incompreensíveis, como: «você tem algum amigo preto?» ou «se tivesse uma filha e ela casasse com um cigano, o que pensava?» ao invés de colocar questões que verdadeiramente interessavam. 

O líder do Chega não está lá para ser politicamente correto, não se cala, é uma "picareta falante", e não tem escrúpulos em dizer aquilo que muitos pensam, mas não dizem.

Portanto, se o Miguel Sousa Tavares pensou que ia confinar o seu entrevistado, esteve muito longe de o conseguir, perante um André Ventura desenvolto e aguerrido, em contraponto com um Miguel incapaz de o contrariar ou de conter a enxurrada verbal do demagogo Ventura.

Miguel Sousa Tavares já demonstrou à exaustão que não tem jeito para entrevistar. Já teve! Nos idos de 90 era um jornalista competente e acutilante a moderar debates. Porém, a arrogância, a vaidade e a incapacidade de se adaptar aos novos tempos tornaram-no obsoleto e dispensável. Além de não fazer as perguntas que se impõem, confunde o papel de entrevistador com o de comentador.

MST já anunciou que vai deixar o jornalismo e faz bem. Deve-se dedicar apenas à literatura. Para fazer entrevistas, sobretudo a políticos habilidosos como Ventura, era bom atribuir essa tarefa a um jornalista competente que venha trazer qualidade e credibilidade ao debate político.

No fim, esta entrevista, pouco esclarecedora, apenas serviu para André Ventura arrebanhar mais uns quantos votos.