Novamente os incêndios!
Todos os anos por esta altura o flagelo dos incêndios assola o nosso país. Basta a temperatura aumentar um pouco e o cenário repete-se. Em 2017, a situação assumiu uma dimensão de verdadeira calamidade pública, devido à onda de calor atípica que se fez sentir. Os sistemas de proteção civil, prevenção e combate aos incêndios não tiveram capacidade de resposta e nalguns casos entrou-se em rutura. Morrerram pessoas e arderam muitas casas. Problemas estruturais e conjunturais, não sendo propriamente novidade, foram nesse ano colocados em causa. A área ardida foi a maior de sempre em Portugal. Este ano os fogos vieram mais tarde também porque a temperatura registou valores anormalmente baixos para a época.
Os fogos em Portugal acontecem basicamente porque temos uma floresta dominada pela monocultura do pinheiro e do eucalipto, espécies altamente combustíveis. Acresce que temos um espaço rural e florestal em processo acelerado de despovoamento e abandono rural, com populações envelhecidas, por força da migração para as cidades. Daqui decorrem três consequências inevitáveis que contribuem para a vulnerabilidade ao fogo: primeiro, os terrenos dedicados à agricultura de subsistência deram lugar a manchas contínuas de matos ou floresta; segundo, as matas da orla florestal deixaram de ser usados para lenha e gado; terceiro, desapareceu a primeira linha de prevenção e combate aos incêndios que eram as populações das aldeias e, finalmente o número de profissionais da floresta é manifestamente insuficiente e os diversos serviços públicos com intervenção in loco sofrem de falta de meios humanos, materiais, preparação e coordenação.
A prevenção, embora tenha melhorado nos últimos anos, continua a ser insuficiente. Os fogos postos são frequentes, com duas origens principais: os pirómanos e os interesses económicos ou pessoais. Porém, na maior parte dos incêndios florestais que ocorrem anualmente em Portugal, estes acabam por não ter causa determinada ou são classificados como ocorrências nulas. Isto deve-se sobretudo à dificuldade de constituição de prova. Além da corrupção, a ignição pode ser cometida por atos acidentais ou negligentes. É frequente, por exemplo, os fogos florestais terem origem em queimadas, pontas de cigarro acesas, lançamento de foguetes ou fogueiras mal apagadas. Os dispositivos de combate aos incêndios florestais também não funcionam devidamente e são sempre escassos.
O clima está a mudar e no nosso país esta alteração traduz-se na maior frequência de fenómenos meteorológicos extremos, incluindo secas e ondas de calor. A probabilidade de propagação dos incêndios cresce drasticamente quando ocorrem temperaturas acima de 30°C.
Pelos factos acima descritos, verifica-se que Portugal sofre de uma situação estrutural de vulnerabilidade aos incêndios florestais, com tendência para se agravar se o processo não for revertido.
«O que fazem os outros países de diferente? De uma forma genérica, investiram em meios e estruturas de combate a incêndios profissionalizados e apostaram também em programas musculados e persistentes de prevenção (educação, informação, patrulhamento, auto-protecção de aglomerados, gestão de matos e silvicultura). (...) Assim, ao nível político, é preciso começar por fazer o óbvio, isto é, por reconhecer que combater só o problema não resolve as suas causas e que se desejamos ter florestas e aldeias menos vulneráveis ao fogo, há que operacionalizar a prevenção. (...) Por exemplo, deve-se evitar a dispersão das habitações em espaço florestal, tal como estimular a gestão activa de propriedades abandonadas recorrendo a mecanismos fiscais/legais/patrimoniais que canalizem poupanças para uma economia da prevenção. (...) Sem gestão florestal, o investimento supostamente feito para defender a floresta esfuma-se a combater chamas em torno de povoações, edificados e parques industriais, enquanto o fogo escapa, destruindo mais umas centenas de hectares até à próxima povoação» (Tiago Oliveira e José Miguel Cardoso Pereira, "Incêndios florestais: Como foi criado um problema e como podemos sair dele", Revista XXI, nº 3, 2014, pp. 176-181).