O vício dos telemóveis
Ontem um professor agrediu um aluno do 8º ano, durante uma aula. Tudo terá acontecido, alegadamente, quando o aluno não respeitou o aviso do professor para o facto de não poder usar o telemóvel na sala, fazendo com que o docente lhe tentasse tirar o aparelho. De acordo com testemunhas, o aluno de 13 anos terá pegado no telemóvel para ver as horas. Segundo a sua versão, confirmada por outros alunos da turma, antes de agredir a vítima, o professor terá gritado de forma agressiva, proferido palavras obscenas, e depois de o aluno mostrar resistência, agarrou-o pelo pescoço e atirou-lhe a cabeça contra uma das mesas. O corpo diretivo do liceu interveio, chamando as autoridades. O professor foi ouvido e acabou por ser detido.
Nada justifica que o professor tenha exercido violência sobre um aluno. Mas se calhar muitos problemas poderiam ser evitados se a regra fosse desligar os telemóveis na sala de aula, sob pena de os alunos que desrespeitassem a norma serem severamente punidos.
Eu sou do tempo em que, enquanto adolescente, não havia telemóveis e sobrevivemos a tudo. Tenho memória de como era a vida sem telemóvel, e, acreditem, era boa. Íamos para o Algarve passar férias e apenas comunicávamos através do telefone fixo. Isso nunca foi um problema, pelo contrário, a minha família não precisava de me ligar a cada hora para saber onde andava, assumia, pura e simplesmente que estava bem.
Hoje tenho de ter telemóvel porque o tornaram imprescindível. Um dos maiores problemas do nosso mundo é tornar imprescindível o que não é. Perdemos privacidade, perdemos independência, perdemos empatia, perdemos a capacidade de comunicar.
Tornámo-nos escravos dos nossos telemóveis. Sentimo-nos constantemente atraídos para algo que nos distraia. Somos interrompidos a toda a hora por uma série interminável de mensagens, notificações, e-mails, redes sociais, aplicações. Tornámo-nos cada vez menos pacientes com a realidade e o ecrã do telemóvel constitui o alheamento do mundo exterior. Perdemos o controlo da tecnologia e deixámos que fosse ela a controlar-nos.
Em Portugal, segundo uma investigação recente, presume-se que esta dependência afete cerca de 14% dos jovens e adultos. São na sua maioria mulheres e o fenómeno está muito associado à nova tendência de visualização ao minuto de tudo o que os famosos youtubers publicam. Outro estudo mostra que dois terços dos adolescentes portugueses têm grande necessidade de verificar o smartphone com regularidade e quase um terço dos jovens com 13 e 14 anos utilizam-no em excesso. Muitos deles cresceram com um telemóvel na mão: uma em cada cinco crianças portuguesas entre os três e os oito anos usa um.
Segundo os especialistas, apesar da dependência do smartphone não ser ainda reconhecida como uma doença mental pela Associação Americana de Psiquiatria e pela Organização Mundial de Saúde, já não é possível ignorar este fenómeno.
No passado pensávamos em dependências relacionadas sobretudo com substâncias químicas. Hoje temos este fenómeno que não envolve substâncias — apenas comportamentos —, mas que possui as mesmas consequências psicológicas. Porém, verifica-se que o uso excessivo de telemóveis tem contribuído para baixar o consumo de drogas, álcool e tabaco.
O facto de nos sentirmos ‘viciados’ pelos telemóveis não é apenas culpa nossa, acontece porque eles são concebidos para serem cada vez mais viciantes, recorrendo a princípios da psicologia comportamental para explorar as nossas vulnerabilidades.