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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Sab | 07.01.17

Obrigada, Dr. Mário Soares

 

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Faleceu hoje Mário Alberto Nobre Soares, depois de quase um mês de internamento no Hospital da Cruz Vermelha. A notícia ainda que esperada, não deixa de ser perturbadora. Soares foi considerado o «pai da democracia» pelo muito  que lhe devemos na construção do regime democrático do país e na restauração das liberdades. Sem Mário Soares este país não seria seguramente o mesmo.


Mário Soares nasceu em Lisboa, a 7 de Dezembro de 1924. As ações políticas que encetou contra o Estado Novo desde os tempos de estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa tiveram como consequência ter sido preso 13 vezes pela PIDE (polícia política) e ainda ter sofrido, em 1968, uma deportação para São Tomé. Tendo concluído, em 1951, a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas iniciou, na mesma Universidade, o Curso de Direito, tendo-o concluído em 1957.

 

Como advogado, defendeu, em tribunais plenários, inúmeros opositores ao regime. Combateu nas lutas da oposição democrática ao regime anterior, nomeadamente nas campanhas eleitorais da CEUD e da CDE. Devido às constantes perseguições que a polícia política lhe fazia, viu-se obrigado, em 1971, a refugiar-se em Paris.

 

Foi um dos fundadores, em 1973, do Partido Socialista, do qual foi o primeiro secretário-geral. Regressou a Lisboa em 1974, logo após o derrube do regime, tendo sido chamado a desempenhar as funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros, no âmbito das quais desenvolveu negociações conducentes à independência das colónias portuguesas.Muitos não lhe perdoam a forma como conduziu o processo de descolonização. Mas, com as forças militares desmotivadas e cansadas, e quando na rua o povo gritava «nem mais um soldado para as colónias» não vejo como teria sido possível acordar um cessar-fogo sem como moeda de troca dar a independência às antigas colónias. Era rumar contra a história.

 

A seguir ao 25 de Abril, opôs-se à tentativa das forças militares radicais, afetas ao PCP, no sentido de reverterem a revolução num regime totalitário de esquerda, que culminou na derrota daquelas forças em 25 de Novembro.

 

Foi primeiro-ministro de 1976-1978 e de 1983-1985. Negociou, de 1977 a 1985, com pleno sucesso, a entrada de Portugal na CEE - Comunidade Europeia (atual União Europeia). Foi presidente da República, dois mandatos sucessivos, de 1986 a 1996, tendo iniciado as chamadas presidências abertas, durante as quais percorreu muitas regiões do país, auscultando diretamente as aspirações e as reclamações populares, dando assim início a uma nova postura presidencial.

 

Desempenhou, posteriormente, as funções de eurodeputado no Parlamento Europeu.Ultimamente dedicava-se à escrita, à coordenação da Fundação a que deu o seu nome e à intervenção pública em inúmeros artigos da imprensa, congressos e debates.

 

O último ato político em que compareceu, foi em julho de 2016, quando o governo de António Costa decidiu homenageá-lo, num ato simbólico. A homenagem coincidiu com os 40 anos da posse do I governo constitucional saído do 25 de abril de 1974, presidido precisamente por Soares.

 

Mário Soares gostava de viver e teve uma vida cheia. Nenhumas dúvidas podem existir de que é a personalidade mais marcante do regime surgido a 25 de Abril de 1974, tendo sido decisivo em vários momentos fundadores desse mesmo regime.

 

O seu perfil de combatente infatigável desde os tempos da ditadura, que nem a prisão, o exílio ou agora o avançar dos anos conseguiram travar, foram fiéis ao lema: «só é derrotado quem desiste de lutar».

 

Quem não se lembra do célebre frente e frente com Álvaro Cunhal? Ao visualizar-se aquelas imagens facilmente se percebe os dotes políticos de Soares, bem como o seu carisma, e sobretudo a forma como sempre esteve do lado certo da história. No combate ao Estado Novo, na luta que travou contra o PCP, a seguir à revolução e, por último, no pedido de adesão à Comunidade Económica Europeia que afastou por muitos anos o PCP e a extrema-esquerda da governação do país.

 

Quer se goste ou não de Mário Soares, há que reconhecer a sua  enorme capacidade política, um faro e uma intuição invejáveis, até na forma como combateu o governo de Passos Coelho, já na parte final da sua vida. É certo que sempre se sentiu o dono do regime, mas a verdade é que o que lhe devemos supera e muito todas as suas falhas. Sou-lhe, por isso, profundamente grata. Obrigada, Dr. Mário Soares!