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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Sab | 28.05.16

Seis meses de «geringonça»

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Os primeiros seis meses do Governo liderado por António Costa ficam marcados pelas negociações permanentes com os partidos que apoiam o governo (PCP, BE e PEV), mas também com Bruxelas. Tal como tinha sido prometido pelo PS no programa de governo, nestes meses já foram revertidas algumas medidas de austeridade e foram anuladas algumas das bandeiras do Executivo anterior.

 

Desapareceu a sobretaxa de IRS, aumentou o salário mínimo nacional para 530€ durante o ano de 2016, com a promessa de chegar aos 600 € até 2019, foram repostos os feriados civis e religiosos, bem como os cortes salariais inconstitucionais aos funcionários públicos e baixou o IVA na restauração.

 

Estas medidas implicaram um aumento de despesa nos cofres de Estado, seja por via direta, seja por via indireta, por isso, o governo teve que adotar outras medidas, com impacto no consumo, e que atingem diretamente todos os consumidores: aumentou o ISP, o imposto sobre os combustíveis, o imposto sobre o tabaco e o imposto sobre veículos. 

 

Muitos se questionam se estas medidas são suficientes para colmatar todo o dinheiro que o Estado deixou de arrecadar com os impostos. Essa questão juntamente com a estabilidade e durabilidade da coligação são as grandes incógnitas políticas que se colocam, cujas respostas apenas serão conhecidas com o passar do tempo.

 

Certo é que o governo já conseguiu reverter a privatização da TAP, garantindo a manutenção de 51% da companhia, conseguiu parar os processos de privatização das empresas de transportes públicos de Lisboa e do Porto, empresas que acumulam prejuízos e que, à data, não têm ainda planos de restruturação e recuperação financeira.

 

Uma das principais medidas adotadas pelo novo governo foi a venda do BANIF. Foi o PS quem decidiu a venda, a custos muito baixos, e ainda com dinheiro a sair do bolso dos contribuintes, mas terá sido o PSD que «encanou a perna à rã» para justificar a saída limpa e conter o défice.

 

No que diz respeito às prestações sociais e familiares, o PS retirou o quociente familiar no cálculo do IRS e voltou a introduzir as deduções por descendente e ascendente, cujos valores foram atualizados. Para além disso, aumentou o abono de família para os escalões mais baixos, assim como subiu as pensões mais baixas e o valor de referência do Complemente Solidário para Idosos.

 

Para as empresas, o IRC mantém-se nos 21% e o PS quer encurtar o prazo que o Estado dá às empresas para reportarem prejuízos fiscais em anos posteriores de 12 anos para 5 anos apenas e alargou a tarifa social energética.

 

No que concerne à habitação, o novo governo determinou que «são proibidas todas as vendas de casas de morada de família em processo de execução fiscal, independentemente do valor da dívida fiscal ou da dívida à segurança social». Para além disso, limitou os aumentos dos impostos decorrentes da reavaliação do imóvel, não permitiu aumentos excessivos de rendas em lojas consideradas históricas pelas autarquias, nem em casas habitadas por cidadãos com mais de 65 anos, criando um regime de transição para as novas rendas de mais dez anos, que apenas terminará em 2017. Reintroduziu a cláusula de salvaguarda na atualização do IMI  e determinou o fim da isenção de IMI para os fundos imobiliários.

 

No caso da educação, foi conseguido a abolição de acesso à profissão de docente, declarada inconstitucional, o congelamento do valor máximo das propinas, a distribuição de manuais escolares gratuitos para o 1º ano de escolaridade no próximo ano letivo. O fim dos exames do 4.º ano e a extinção de contratos de associação onde houvesse capacidade instalada na escola pública não foram medidas pacíficas. A substituição dos exames não correu como esperado, e o processo foi alterado a meio pela introdução de provas de aferição voluntárias, a decidir por cada escola. Relativamente aos contratos de associação, a PGR vem dar razão ao Ministério de Tiago Brandão Rodrigues. Segundo o parecer, «os contratos assinados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e o Estado comportam a totalidade dos ciclos iniciados em 2015/2016, não permitindo a abertura de novas turmas de início de ciclo todos os anos». Desta forma o Ministério da Educação vê confirmada a interpretação contratual de não ser devido o financiamento de novas turmas de início de ciclo no próximo ano letivo em zonas onde exista resposta da rede de estabelecimentos públicos de ensino.

 

Na saúde, foram eliminadas as restrições no acesso à IVG, introduzidas pelo anterior governo, o fim das taxas moderadoras para os doentes crónicos e o alargamento de horário nos centros de saúde.

 

No sentido de agilizar a pesada máquina burocrática do Estado foi apresentado o programa «Simplex 2016». São 255 medidas para facilitar a vida aos portugueses e que traz mais transparência às relações entre os cidadãos e entre estes e o Estado. 

 

Em termos internacionais, esta coligação tem conseguido escapar, até à data, a cortes no rating que poderiam trazer instabilidade. Apesar dos leilões de dívida nem sempre terem tido valores muito baixos, a verdade é que a estabilidade tem existido, com alguns avisos da parte da troika, que continua a fazer visitas regulares ao nossos país e se mostra cética sobre a recuperação económica que António Costa se propõe fazer.

 

Uma das medidas mais controversas e que ainda não tem definido o impacto que terá nas contas públicas, foi a reposição das 35 horas semanais de trabalho para a função pública. Alguns sectores, como a saúde, já avaliaram em muitos milhares de euros o custo que esta medida terá em termos de pessoal, mas não é possível perceber o seu alcance orçamental até que seja aplicada. A entrada em vigor é que não está bem clara, uma vez que António Costa se compromete com o dia 1 de julho, já Mário Centeno, ministro das Finanças, afirmou que só o farão quando a medida tiver impacto orçamental neutro. Fala-se agora que a medida poderá não abranger todos os setores da administração pública, sendo que os que ficarem de fora poderão ser compensados com dias de férias ou banco de horas.

 

Os dados da execução orçamental mostram que o saldo primário (diferença entre as receitas e despesas do Estado  excluindo os juros) evidenciou uma melhoria, verificou-se até um excedente de 1118 milhões de euros, mais 261 M€ que no período homólogo de 2015.

 

Há, no entanto, um agravamento do défice face ao período homólogo de 2015: mais 56 milhões de euros. Contudo, o valor do défice representa 29,7% do previsto para o ano de 2016, que compara com os 31% de execução do défice em 2015 no mesmo período. Todavia, o agravamento do défice é  inferior aos 107 milhões de euros de agravamento registado em março e é essencialmente condicionado pela despesa com juros que cresce 318 milhões de euros.

 

No que concerne à despesa do Estado, parece efetivamente controlada, ainda que se tenha verificado um crescimento de apenas 0,7%, claramente abaixo da meta de 5,7% inscrita no Orçamento do Estado. As despesas com aquisição de bens e serviços caem 2,3% e a despesa com pessoal sobe 2,7% fruto da reposição dos salários dos trabalhadores do Estado.

 

Já Passos Coelho apresentou um conjunto de indicadores de desempenho do país nos últimos meses – execução orçamental, PIB e saldo externo – para acusar o executivo de seguir «um caminho arriscado para as contas públicas e credibilidade externa», e duvidou das previsões de crescimento, considerando que o objetivo para o ano está «comprometido», com consequências graves para a política orçamental, já que põe em causa a receita e o défice.

 

O balanco destes seis meses depende pois da perspetiva de cada um. Mas o facto é que a «geringonça», como a oposição lhe chama, tem conseguido manter-se em funcionamento. O acordo conseguido ontem ao estabelecer a paz social entre os operadores portuários e os estivadores é mais uma demonstração da regra: a direita critica, o governo age e resolve.

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