Sobre o artigo de Fátima Bonifácio
O artigo de opinião de Fátima Bonifácio publicado no jornal Público , sob o título “Podemos? Não, não podemos!”, motivou uma onda de críticas. A historiadora defende que não podemos «integrar por quotas», manifestando-se contra este tipo de procedimento para negros e ciganos. Ora, é na sua argumentação que reside toda a polémica.
Diz Bonifácio que «As mulheres, que sem dúvida têm nos últimos anos adquirido uma visibilidade sem paralelo com o passado, partilham, de um modo geral, as mesmas crenças religiosas e os mesmos valores morais: fazem parte de uma entidade civilizacional e cultural milenária que dá pelo nome de Cristandade. Ora isto não se aplica a africanos nem a ciganos. Nem uns nem outros descendem dos Direitos Universais do Homem decretados pela Grande Revolução Francesa de 1789». Ou, «os ciganos, sobretudo, são inassimiláveis», são alguns dos argumentos utilizados no referido artigo.
E não me venham com a justificação estafada da ‘liberdade de expressão’ defendida pelo diretor do jornal Público. O editorial do Público não é sustentável, porque continua a defender que o racismo e xenofobia de Fátima Bonifácio é opinião ao abrigo da liberdade de expressão.
Não, não é. O racismo e a xenofobia não são opiniões ou pontos de vista pessoais, são julgamentos sociais. Dar espaço a artigos como o de Fátima Bonifácio na imprensa escrita é contribuir para difundir estas ideias, dar voz e força a partidos que as defendem e contribuir, assim, para a a sua disseminação.
Como refere o Embaixador Seixas da Costa no seu blog «A gravidade desta publicação prende-se, essencialmente, com o seu caráter exemplar. Há bastante quem pense como (ou pior do que) Fátima Bonifácio, mas muitos, quiçá cientes da baixeza daquilo que pensam, temem em dizê-lo alto. Agora, ao verem aquela que é tida como uma figura da intelectualidade a proferir aquelas barbaridades, podem sentir-te confortados para poderem vir a terreiro expressar esses mesmos sentimentos. Esse é o principal risco.
Aquilo a que iremos seguramente assistir, nas próximas horas ou dias, por parte de alguma extrema-direita que, pela nossa imprensa, se faz passar apenas por conservadora, vai ser o reclamar do direito à liberdade de expressão. Como se esse direito pudesse alguma vez ser invocado para a propagação de ideias que promovem o desprezo pela diferença, a discriminação e o ódio.
O texto de Bonifácio tem o mérito de poder servir como um bom separador de águas. Veremos quantos, oriundos do seu lado do espetro das ideias, têm a coragem (e, essencialmente, a decência) de dela se afastarem de forma clara. E a “clara” é muito claro: é não utilizarem um “não, mas”, relativizante, subtilmente cobarde, com medo de, ao criticarem demasiado Bonifácio, correrem o risco de poderem ser vistos a atravessar a trincheira.
Há hoje por aí a emergir um Portugal miserável nos princípios, bilioso no caráter, arrogante na atitude, onde alguma argumentação soez surge revestida com ares intelectuais. Vamos chamar os bois pelos nomes: está aí a surgir um proto-fascismo. Nos últimos tempos, a luta desesperada contra as esquerdas adubou-lhes a raiva e revelou-lhes o íntimo. Ora esse é um país que é imperioso combater, sem tibiezas, denunciando profilaticamente uma deriva que pode colocar em causa o equilíbrio do nosso futuro coletivo, o qual, para ser decente e pacífico, deve ser de tolerância e de compreensão. Tudo o contrário do mundo de Fátima Bonifácio.».