Stayaway Covid
As aplicações de rastreamento de contactos estão a ser usadas, livremente, em vários países como uma ferramenta de combate à COVID-19, ajudando a identificar contactos de risco e a quebrar cadeias de contágio do novo coronavírus. Em Portugal foi desenvolvida a Stayaway Covid que permite identificar contactos em situações de possível contágio, sendo mais eficaz do que a identificação manual (em que o paciente tem de se lembrar das pessoas que contactou nas últimas duas semanas quando é diagnosticado com COVID-19).
Acontece que até agora esta aplicação era de adesão voluntária, mas o Governo quer torná-la indispensável e, para tal, entregou no Parlamento uma lei que a torna obrigatória “em contexto laboral ou equiparado, escolar e académico”, sob pena de aplicação de multas entre os 100 e os 500 euros para os casos de incumprimento – e entre 1000 e 5000 euros para pessoas coletivas, não estando prevista qualquer coima a quem não possua um telemóvel com capacidade para instalar a aplicação.
Ora, uma coisa é os cidadãos por sua livre e espontânea vontade recorrer a esta aplicação, coisa diferente é forçar a sua utilização, porque levanta inúmeros problemas de constitucionalidade, de liberdade individual e privacidade dos cidadãos.
Assim, várias questões podem ser suscitadas:
1)O uso e a portabilidade de telemóvel não são obrigatórios por lei, pelo que a medida perde eficácia;
2)A aplicação não corre em boa parte dos equipamentos ainda em utilização. Apesar de a proposta discriminar universos de utilização, importa não esquecer que existem ainda portugueses sem telemóvel, sobretudo dentro da população mais idosa, grupo de risco mais exposto à pandemia e aqueles que importava mais controlar.
3)Para que a aplicação funcione, é necessário que a função Bluetooth do telemóvel esteja ativa e que os dados móveis ou wifi estejam ligados (a app precisa de aceder à internet), a fim de que o utilizador possa receber as notificações que permitem aferir se esteve em contacto com uma pessoa infetada com Covid-19. Basta que uma destas condições não se verifique para a aplicação não tenha a eficácia pretendida;
4)À luz da constituição não faz sentido aplicar coimas a quem tenha telemóveis que suportem a aplicação e não a use, e não aplicar a quem não os tem;
5)A aplicação tem mecanismos de georreferenciação e aí já estamos a entrar no domínio da proteção de dados e de outra questão mais ampla, a restrição da liberdade individual;
6)Será constitucionalmente aceitável que a Polícia ou seus representantes possam fiscalizar se os portugueses têm ou não a aplicação Stayaway Covid instalada no telemóvel e aplicar multas aos prevaricadores, incorrendo assim num crime de violação de privacidade? E se a pessoa disser simplesmente que não tem telemóvel, é lícito revista-la?
Por todos este motivos a proposta tem tudo para ser polémica. As críticas já começaram a fazer ouvir e chegam de todos os sectores, nomeadamente daqueles onde o Governo pretende forçar a sua aplicação. Parece, por isso, prudente a reflexão sobre todas estas questões que constituem uma ameaça grave a direitos individuais fundamentais, constitucionalmente garantidos, e que dificilmente passará pelo crivo do Tribunal Constitucional.