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Narrativa Diária

Não escrever um romance na «horizontal», com a narrativa de peripécias que entretêm. Escrevê-lo na «vertical», com a vivência intensa do que se sente e perturba. Vergílio Ferreira

Narrativa Diária

Sab | 13.06.20

Vandalização das estátuas

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Na sequência da morte de George Floyd e da onda de indignação em todo mundo, encabeçada pelo movimento Black Lives Matter, estátuas de figuras ligadas ao imperialismo, colonialismo ou associadas a esclavagistas têm sido derrubadas e vandalizadas. 

 

Nos EUA a estátua de Cristóvão Colombo foi decapitada, assim como em Bristol a de Edward Colston, um traficante de escravos do século XVII;  outras foram pichadas como em Portugal a estátua de Padre António Vieira e de Winston Churchill, em Londres. Há, inclusivamente, petições públicas para demolir estátuas, casos do Padrão dos Descobrimentos e da Torre de Belem, por se considerarem «simbolos alusivos ao racismo colonial».

 

Independentemente das contestações, importa perceber que cada um dos monumentos que tem sido alvo dos destruidores tem a sua história e que todos viveram numa época em que o mundo era dominado por um imperialismo e colonialismo, onde se legitimava a supremacia branca e a opressão dos povos.

 

Winston Churchill, por exemplo, consensualmente visto como uma das figuras mais importantes do Reino Unido e um exemplo para todo o mundo, pela sua intervenção na Segunda Guerra Mundial, pela sua resistência ao regime nazi, como um grande estratega político e um visionário, era um defensor do imperialismo inglês e da supremacia da raça branca, de acordo com vários historiadores.

 

Padre António Viera, cuja estátua foi pichada com a palavra "descolonização" escrita na base do monumento, era um missionário que pregava o cristianismo. Foi um humanista que lutou pelo respeito da dignidade humana, manteve um olhar atento às injustiças do seu tempo, foi perseguido, julgado e preso pela Inquisição. Teve os maiores dissabores e os piores contratempos na Corte e entre os colonos brasileiros - que o odiavam e o acusavam da defender os direitos dos povos indígenas no Brasil e de apoiar e alimentar a escravatura dos povos africanos.

 

Ora, Padre António Vieira que viveu no século XVII podia eventualmente aceitar a escravatura, o que não quer dizer que a aplaudisse ou promovesse. Sabe-se, através dos historiadores, que o Padre ficava constrangido com as desigualdades e maus tratos aos escravos, mas acreditava que havia por detrás destas injustiças um «propósito divino». Sendo um homem da Igreja, que vivia num mundo regido pela Vontade de Deus, admitia que todas as coisas tinham uma razão de ser no âmbito dessa Vontade.

 

Não faz qualquer sentido analisar o passado com os olhos postos no presente. Como não faz sentido, por exemplo, afirmar que D. Afonso Henriques foi um perigoso racista e xenófobo que perseguia muçulmanos para lhes conquistar terras. É sabido que o primeiro rei de Portugal perseguiu os mouros, expulsando-os dos territórios conquistados, mas a luta entre cristãos e mouros era entendida no século XII, por ambas as partes, como algo necessária e um procedimento normal à época.

 

Aliás, quase todas as figuras históricas, hoje, seriam catalogadas de intolerantes, antidemocratas, racistas, colonialistas, machistas e inimigas de toda as minorias. Uma vez que todos os monarcas cometeram várias atrocidades no passado. Porém, tais barbaridades devem ser estudadas, divulgadas e debatidas como factos históricos e não julgadas ou vistas à luz dos valores atuais.

 

Estas considerações podem aplicar-se às recentes manifestações contra estátuas de personagens ditas racistas, sendo por isso, injustificável que estes monumentos que são património cultural da humanidade, erigidas para homenagear figuras importantes da história dos povos, sejam agora destruídas e vandalizadas por um conjunto de néscios que se limitam a replicar a narrativa que assola os EUA, movidos apenas pela impulsividade do momento e desvirtuando a causa do antiracismo. Estes atos, como se sabe, configuram crimes contra o património.